O clima de tensão e o passado de conflitos frequentes que marcam a história da Terra Indígena (TI) Vale do Javari, onde a Funai realiza a maior expedição dos últimos 20 anos, não foi a única ameaça aos índios daquela região no extremo oeste do estado do Amazonas.
Há alguns anos, várias etnias indígenas do Vale do Javari tiveram que lidar com a ameaça de propagação da Febre Negra de Lábrea, uma rara e grave forma de hepatite.
Diante dos riscos de mortes gerados pela doença, o país preparou a Missão Javari, realizada em 2008 a pedido do então ministro da Defesa Nelson Jobim, que levou um navio de assistência hospitalar à região com equipes médicas para combater a propagação da doença.
Entre os atingidos pela Febre Negra de Lábrea, estava o chamado “grupo da Maya”, formado por uma parte dos índios Korubo, etnia que também faz parte do objetivo da expedição da Funai em andamento em 2019.
Na missão iniciada neste mês, a Funai tenta o primeiro contato com uma parte dos índios Korubo que permaneceram isolados até hoje. Atualmente, os Korubo tem um grupo totalmente isolado e outros pequenos grupos com recente contato.
O grupo da Maya já havia tido seu primeiro contato com equipes de sertanistas quando sofreu com a Febre Negra de Lábrea. Por causa disso, esses índios receberam tratamento dos médicos e profissionais durante a missão de 2008.
O primeiro contato com o chamado “grupo da Maya” aconteceu em 1996. O grupo de cerca de 18 pessoas era influenciado pela matriarca Maya, daí o nome dado aos índios do grupo.
A Missão Javari foi realizada em 2008, quando o Navio de Assistência Hospitalar Oswaldo Cruz, da Marinha do Brasil, foi enviado com equipes de profissionais para a região de Vale do Javari para realizar tratamento médico e vacinação dos índios.
Dados fornecidos pela Marinha ao blog mostram que a Missão Javari realizou um total de 4.731 atendimentos entre grupos indígenas da região. A equipe enviada atendeu 20 localidades e realizou 618 consultas médicas, 2.203 procedimentos odontológicos, 468 exames laboratoriais, 85 procedimentos de enfermagem, além de uma cirurgia.
‘A Corveta’
O médico e escritor Glauco Callia participou da Missão Javari e conversou com o blog sobre a doença que ameaçou o pequeno grupo dos Korubo e outras etnias. Segundo ele, apesar do clima de tensão e conflitos frequentes – que envolveu inclusive um confronto entre os Korubo e agentes da Funasa na época – a equipe de profissionais conseguiu realizar o tratamento em parte dos índios da região.
Depois de completar a missão, Glauco escreveu o livro “A Corveta”, onde conta suas experiências na missão em que teve contato com alguns grupos indígenas da região.
O médico explica que não se sabe como os índios contraíram a doença e que, em 2008, a febre estava se alastrando e atingia não apenas o grupo da Maya, mas também outras etnias como os Matis, os Kulina, os Kanamari e os Mayoruna, estas quatro últimas as mais castigadas.
De acordo com o médico, dados da equipe da missão mostravam que aproximadamente 40% da população das tribos alvo alvos da operação estava contaminada pela doença.
Foi quando o ministro Nelson Jobim acionou a Marinha, mais especificamente o 9º Distrito Naval, para realizar a ação, levando uma equipe no Navio de Assistência Hospitalar Oswaldo Cruz para tratar os índios.
Um dos principais obstáculos narrados por Glauco Callia foi a tentativa de alguns grupos indígenas de espalhar que a equipe de oficiais que estava chegando aplicaria veneno nos índios em vez de fazer o tratamento da febre negra. Muitas tribos acreditaram na versão e se recusavam a receber as vacinas.
“Eu conhecia um ritual deles onde eles mordiam a fruta e te davam a fruta mordida para provar que não estava envenenada. Então eu dei a vacina no meu braço antes de dar no braço deles. Assim, eles foram convencidos”, explica o médico.
Aos poucos, a equipe de profissionais conseguiu apaziguar a região e realizar o tratamento em alguns grupos mas, segundo Glauco Callia, a ação sempre esteve debaixo de um clima de muita tensão. Ao chegar no pequeno grupo dos Korubo, um integrante do grupo Kulina – outra etnia indígena da região – se ofereceu para ser o intérprete da conversa e ajudar a equipe.
Por conhecer parte da língua indígena mayoruna, Glauco Callia descobriu que o intérprete estava traduzindo de forma errada com o objetivo de atrapalhar o tratamento e forçar um conflito entre profissionais e índios.
LEITÃO, Matheus. Além de conflitos, etnias indígenas do Vale do Javari já sofreram com doença rara. G1, 2019. Disponível em: Link. Acesso em: 14 de Março de 2019.