Day: agosto 13, 2019

Povos indígenas do Vale do Javari firmam acordo para gestão de seus territórios

Pactuar, entre cinco povos indígenas diferentes, as diretrizes e estratégias de gestão territorial e ambiental de uma Terra Indígena de mais de 8,5 milhões de hectares, situada na fronteira entre Brasil e Peru. Este é o desafio que a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) levou para o encontro de caciques e lideranças da Terra Indígena (TI) Vale do Javari, realizado entre 12 e 14 de julho. No final do encontro, as lideranças aprovaram um documento no qual atualizam suas diretrizes de gestão territorial e ambiental da TI. As canoas chegavam trazendo as delegações depois de dias de viagem. Para chegar até o encontro na aldeia São Luís, do povo Kanamari, lideranças dos povos Matis, Matsés, Marubo, Kulina e Kanamari se deslocaram de suas aldeias situadas ao longo do rio Javari e de seus rios formadores Ituí, Itaquaí, Curuçá e Jaquirana. Também participaram da reunião os parceiros dos indígenas, membros de organizações não governamentais e de órgãos de Estado. Nossa equipe do Centro de Trabalho Indigenista esteve presente, junto aos membros da Fundação Nacional do Índio (Funai), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Instituto Brasileiro de Indigenismo (IBI) e Nia Tero. “Com essas diretrizes os parceiros poderão ter conhecimento do que estamos pensando para proteger e fazer a gestão do nosso território”, diz Paulo Marubo, coordenador geral da Univaja. O encontro foi realizado no âmbito do projeto de fortalecimento institucional da Univaja, apoiado pela Embaixada da Noruega, que tem como objetivo fortalecer processos políticos importantes junto com suas organizações de base. Antes do deslocamento para a aldeia São Luís, Univaja e CTI realizaram em parceria uma reunião preparatória do encontro, na qual as lideranças de cinco povos da TI discutiram o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) da TI Vale do Javari e a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNGATI). A preparação aconteceu na nova sede da Univaja, recentemente inaugurada após reforma realizada com apoio do CTI. A demarcação da TI Vale do Javari foi homologada em 2001. Antes disso, nos anos 90 se consolida o movimento indígena na região com a criação do Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja). A organização indígena teve grande importância no processo de demarcação. “A Civaja organizava muitos encontros como esse para discutir assuntos de interesse de todas as etnias. Durante algum tempo o movimento teve dificuldades de fazer reuniões. Agora estamos resgatando através da Univaja, começando a chamar todas as etnias novamente”, avalia Bushe Matis, da Associação Indígena Matis (Aima). A Terra Indígena Vale do Javari protege uma imensidão de floresta com alto grau de preservação e uma das maiores taxas de biodiversidade de toda a Amazônia. Soma-se ainda a maior presença de povos indígenas isolados registrada no mundo e a presença dos povos Korubo e Tyohom-dyapa, de recente contato. Durante o encontro, as lideranças trocaram conhecimentos sobre como cada povo pensa suas relações com a terra e com outros povos com os quais compartilham território. “Nós já protegemos nossa terra há muitos anos, mas precisamos do apoio dos parceiros para que ela seja bem protegida”, conta Adauto Kulina, da Associação Ibá Kulina do Vale do Javari (Aikuvaja). “Estamos protegendo os índios isolados, mas os invasores entram pelos igarapés. Tomara que não aconteça algo pior, se esses pescadores chegarem a encontrar os isolados”, completa. Atualmente, a TI Vale do Javari vive um novo contexto de aumento das invasões por parte de garimpeiros, madeireiros, pescadores e caçadores ilegais, fato agravado pelos ataques à política indigenista por parte do governo de Jair Bolsonaro. Para os indígenas, as formas tradicionais e as estratégias modernas de proteger seus territórios são uma resposta às propostas do governo federal de exploração de Terras Indígenas. “Diante desse governo anti-indígena que está aí, com o objetivo de integrar a população indígena, queremos demonstrar que não aceitamos o projeto deles. Nós queremos manter as florestas em pé, queremos manter nossos rios com essa riqueza tão importante que temos. Nós dependemos muito da natureza, dos recursos hídricos que existem no Vale do Javari. Não aceitamos a poluição, não aceitamos nenhuma empresa que chegue oferecendo alguma coisa, somente para destruir essa floresta que defendemos”, comenta Paulo Marubo. Para enfrentar o desafio de pensar o território, sua proteção e suas estratégias de gestão, as lideranças do Vale do Javari estão recorrendo aos diversos conhecimentos com os quais os indígenas lidam. Durante o encontro, anciões, caciques e pajés apresentaram formas tradicionais de entenderem o território. “Convidamos nossos curandeiros, nossos pajés, todas as lideranças tradicionais aqui nesse encontro para sabermos qual o pensamento dos mais velhos sobre o território”, conta Varney Todah Kanamari, vice-coordenador da Univaja. Jovens Agentes Ambientais Indígenas, que participaram das formações em parceria com o CTI, também tiveram espaço para expor ideias. Além de participar das discussões das diretrizes prioritárias de gestão propostas pelos indígenas, o CTI também tem apoiado a implementação de algumas delas ao longo de seu trabalho no Vale do Javari. O manejo de quelônios feito pelos Marubo no rio Ituí, de palheiras feito pelos Kanamari no rio Itaquaí, de peixes pelos Matsés e Kanamari no médio Javari e baixo Curuçá, são algumas das ações atualmente em curso apoiadas pelo CTI por meio do projeto Consolidando Experiências de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas na Amazônia Brasileira, com recursos do Fundo Amazônia do BNDES. “Queremos fazer manejo de peixes, de quelônios, de macacos. Nós não podemos pensar hoje como antigamente, ‘aqui tem muito bicho, vamos logo matar todos’. Agora é uma outra época, tínhamos uma menor quantidade de população, hoje além de maior quantidade temos meios de caçar mais rápido. Com isso vemos que os animais estão se afastando cada vez mais. Está diminuindo a quantidade de quelônios, de peixes, de macacos, queixadas. Com essa ferramenta de PGTA estamos aprendendo a planejar como vamos viver futuramente”, diz Bushe Matis. A Univaja e suas organizações de base consideram que as diretrizes de gestão territorial e ambiental discutidas e aprovadas devem orientar o seu trabalho, além das ações com organizações parceiras e órgãos governamentais executores

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Cercados por todos os lados

ATALAIA DO NORTE (AM)O clima esquentou para os marubos: invasões do tráfico, de madeireiros e de caçadores ilegais colocam em perigo os moradores da região sul do Amazonas, a mais nova fronteira da ocupação do agronegócio e do extrativismo. Quem vê um marubo não esquece: seu sinal característico são os cordões de contas brancas que vão de orelha a orelha, atravessando o nariz. O grupo, que em sua maior parte vive no sul da Terra Indígena Vale do Javari, no município de Atalaia do Norte (AM), habita o que até duas décadas atrás era uma região de baixa pressão econômica. Agora, está sob ameaças de natureza econômica, criminosa e política, testemunhou o fotógrafo Sebastião Salgado em sua segunda expedição à área -a primeira foi em 1998. Os sinais dessas ameaças se intensificaram no ano eleitoral de 2018. Em dia de festa, o grupo de marubos dança para receber forasteiros, na aldeia Maronal Os marubos estão cercados por todos os lados. A leste, a área do rio Purus foi alvo de queimadas em terras públicas, com objetivo de grilagem. Ao sul, na região de Cruzeiro do Sul (AC), ações repressivas não reverteram atividade madeireira, lavouras ilegais e abate de animais silvestres. A oeste, no lado peruano do rio Javari, relatórios da agência local antidrogas e do Exército brasileiro apontam desmatamento galopante e ocupação por plantações de coca. E, pelo norte, criminosos invadem a terra para tirar madeira e animais, aproveitando o esvaziamento das bases da Funai. Nos rios, os índios são assaltados por gasolina, comida e dinheiro ou apenas perseguidos. Na véspera do Natal, homens armados em dois barcos atacaram uma base do órgão no encontro dos rios Ituí e Itacoaí. “Foi terrorismo, para acabar com a fiscalização”, diz o comandante do 8º Batalhão de PM (AM), major Huoney Herlon Gomes. A intenção daqueles homens, segundo ele, era “matar todo o mundo”. Alguns soldados responderam aos disparos. Mas não houve vítimas entre os PMs que, excepcionalmente, faziam a segurança do lugar, nem entre funcionários da Funai e colaboradores indígenas. Os barcos usados pelos bandidos foram achados com marcas de sangue no dia seguinte. O Exército foi acionado, mas os atiradores não foram identificados. Os marubos se interessam pela educação formal e pelo aprendizado do português, o que os leva às cidades. O resultado é a redução na população, diz o líder Wino Këyashëni, ou Beto Marubo, ligado à União dos Povos Indígenas do Vale do Javari. Em 2014, eram 2.008 marubos; em 2017, 1.988, segundo dados da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde). Além disso, o programa de saúde indígena não consegue debelar a epidemia de hepatite que há décadas assola a região, nem a malária. Índios são levados com frequência para tratamento nas cidades e acabam contraindo outras doenças. Outra preocupação da etnia é com os indígenas isolados no vale do Javari. Há indicações da presença de 23 desses grupos na região, sendo 9 delas comprovadas. Os isolados ora são alvos de ataques, ora se aproximam de áreas ocupadas por outros índios, o que gera conflitos. Um desses grupos, composto por 34 indivíduos da etnia korubo, foi contatado em abril, na região do rio Coari. Entre outros indígenas falantes de línguas do tronco pano, os marubos participaram da equipe responsável por fazer o contato. O esvaziamento da rede de bases da Frente de Proteção do Vale do Javari amplificou o medo. Esses postos instalados pela Funai têm a missão de evitar invasões de madeireiros, de caçadores e pescadores ilegais, de traficantes que se escondem na área indígena e de garimpeiros. A partir de meados dos anos 1990, foram implantadas quatro bases de proteção em pontos estratégicos das calhas dos rios que dão acesso a áreas de índios isolados. Mas três delas foram fechadas nos últimos anos. Em outubro de 2018, o Ministério Público Federal iniciou ação contra a Funai e a União, exigindo a reimplantação das bases em todo o estado do Amazonas, com equipes para dar conta de sua competência constitucional de “coordenar e implementar as políticas de proteção aos grupos indígenas em isolamento voluntário e de recente contato”, tendo em vista os riscos do contato para esses grupos, “principalmente a incidência de epidemias e mortes”. Diante da denúncia de um massacre de índios por garimpeiros, em 2017, a base de Jandiatuba foi reativada, mas opera em caráter precário. O único posto em pleno funcionamento é o localizado no encontro dos rios Ituí e Itaquaí, aquele que foi alvo de tiros às vésperas do Natal. Pakampa com sua mulher, Pakã-ewa, e filhos, Paka e ShetaKonô, da aldeia Morada Nova Há também notícias de isolados que buscam as florestas do Javari, até hoje mais protegidas, fugindo da devastação em áreas do Acre e do outro lado da fronteira com o Peru. Segundo Beto Marubo, há indígenas isolados deixando a floresta em Madre de Dios, no Peru. O temor dos líderes marubos é que os grupos isolados, pressionados por invasões ou conflitos na sua área de perambulação, se desloquem para áreas ocupadas por outros índios, com risco de conflitos e mortes. Ao evitar a presença de não índios, as bases de proteção reduzem ameaças também a marubos e outros habitantes, que reclamam de atividades ilegais na Terra Indígena. Assaltos a barco são o indício mais citado do crescimento da insegurança. Beto Marubo apresentou relatório da situação crítica dos isolados no Brasil no fórum das Nações Unidas sobre Assuntos Indígenas, que aconteceu de 22 de abril a 13 de maio na sede da ONU, em Nova York. A índia Shanko Ewa (que significa ‘mãe de’) e seu filho Shanko, em maloca da principal aldeia marubo, chamada de Maronal, na região sul do estado do Amazonas (2018)   A maloca é sempre escura e obriga qualquer um a se curvar na entrada Na chegada à aldeia Maronal, principal comunidade dos marubos, o forasteiro é conduzido em uma marcha na qual os índios cantam e dançam, enquanto percorrem o espaço onde ficam suas casas. A recepção é uma festa. Os visitantes são

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Além de conflitos, etnias indígenas do Vale do Javari já sofreram com doença rara

O clima de tensão e o passado de conflitos frequentes que marcam a história da Terra Indígena (TI) Vale do Javari, onde a Funai realiza a maior expedição dos últimos 20 anos, não foi a única ameaça aos índios daquela região no extremo oeste do estado do Amazonas. Há alguns anos, várias etnias indígenas do Vale do Javari tiveram que lidar com a ameaça de propagação da Febre Negra de Lábrea, uma rara e grave forma de hepatite. Diante dos riscos de mortes gerados pela doença, o país preparou a Missão Javari, realizada em 2008 a pedido do então ministro da Defesa Nelson Jobim, que levou um navio de assistência hospitalar à região com equipes médicas para combater a propagação da doença. Entre os atingidos pela Febre Negra de Lábrea, estava o chamado “grupo da Maya”, formado por uma parte dos índios Korubo, etnia que também faz parte do objetivo da expedição da Funai em andamento em 2019. Na missão iniciada neste mês, a Funai tenta o primeiro contato com uma parte dos índios Korubo que permaneceram isolados até hoje. Atualmente, os Korubo tem um grupo totalmente isolado e outros pequenos grupos com recente contato. O grupo da Maya já havia tido seu primeiro contato com equipes de sertanistas quando sofreu com a Febre Negra de Lábrea. Por causa disso, esses índios receberam tratamento dos médicos e profissionais durante a missão de 2008. O primeiro contato com o chamado “grupo da Maya” aconteceu em 1996. O grupo de cerca de 18 pessoas era influenciado pela matriarca Maya, daí o nome dado aos índios do grupo. A Missão Javari foi realizada em 2008, quando o Navio de Assistência Hospitalar Oswaldo Cruz, da Marinha do Brasil, foi enviado com equipes de profissionais para a região de Vale do Javari para realizar tratamento médico e vacinação dos índios. Dados fornecidos pela Marinha ao blog mostram que a Missão Javari realizou um total de 4.731 atendimentos entre grupos indígenas da região. A equipe enviada atendeu 20 localidades e realizou 618 consultas médicas, 2.203 procedimentos odontológicos, 468 exames laboratoriais, 85 procedimentos de enfermagem, além de uma cirurgia. ‘A Corveta’   O médico e escritor Glauco Callia participou da Missão Javari e conversou com o blog sobre a doença que ameaçou o pequeno grupo dos Korubo e outras etnias. Segundo ele, apesar do clima de tensão e conflitos frequentes – que envolveu inclusive um confronto entre os Korubo e agentes da Funasa na época – a equipe de profissionais conseguiu realizar o tratamento em parte dos índios da região. Depois de completar a missão, Glauco escreveu o livro “A Corveta”, onde conta suas experiências na missão em que teve contato com alguns grupos indígenas da região. O médico explica que não se sabe como os índios contraíram a doença e que, em 2008, a febre estava se alastrando e atingia não apenas o grupo da Maya, mas também outras etnias como os Matis, os Kulina, os Kanamari e os Mayoruna, estas quatro últimas as mais castigadas. De acordo com o médico, dados da equipe da missão mostravam que aproximadamente 40% da população das tribos alvo alvos da operação estava contaminada pela doença. Foi quando o ministro Nelson Jobim acionou a Marinha, mais especificamente o 9º Distrito Naval, para realizar a ação, levando uma equipe no Navio de Assistência Hospitalar Oswaldo Cruz para tratar os índios. Um dos principais obstáculos narrados por Glauco Callia foi a tentativa de alguns grupos indígenas de espalhar que a equipe de oficiais que estava chegando aplicaria veneno nos índios em vez de fazer o tratamento da febre negra. Muitas tribos acreditaram na versão e se recusavam a receber as vacinas. “Eu conhecia um ritual deles onde eles mordiam a fruta e te davam a fruta mordida para provar que não estava envenenada. Então eu dei a vacina no meu braço antes de dar no braço deles. Assim, eles foram convencidos”, explica o médico. Aos poucos, a equipe de profissionais conseguiu apaziguar a região e realizar o tratamento em alguns grupos mas, segundo Glauco Callia, a ação sempre esteve debaixo de um clima de muita tensão. Ao chegar no pequeno grupo dos Korubo, um integrante do grupo Kulina – outra etnia indígena da região – se ofereceu para ser o intérprete da conversa e ajudar a equipe. Por conhecer parte da língua indígena mayoruna, Glauco Callia descobriu que o intérprete estava traduzindo de forma errada com o objetivo de atrapalhar o tratamento e forçar um conflito entre profissionais e índios. LEITÃO, Matheus. Além de conflitos, etnias indígenas do Vale do Javari já sofreram com doença rara. G1, 2019. Disponível em: Link. Acesso em: 14 de Março de 2019.

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