UNIVAJA

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União dos Povos do Vale do Javari

União dos Povos do Vale do Javari

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Univaja realiza sua 7ª assembleia e define nova coordenação

Representantes dos povos Kanamari, Matis, Mayoruna/Matsés, Kulina Pano, Marubo e Korubo elegeram nova diretoria, debateram os desafios da região e recebem a Ministra presidenta do STF e do CNJ, Rosa Weber

A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) realizou, entre os dias 17 e 20 de março de 2023, a sua 7ª Assembleia que reuniu representantes de seis povos da bacia do rio Jutaí, na Terra Indígena (TI) Vale do Javari, local com maior concentração de povos que vivem em “isolamento”, no mundo. As atividades foram feitas na aldeia Marubo Paraná, localizada no alto rio Ituí, município de Atalaia do Norte, Amazonas, Terra Indígena Vale do Javari, que é a segunda maior TI do Brasil.

Os povos Kanamari, Matis, Mayoruna/Matsés, Kulina Pano, Marubo e Korubo elegeram nova diretoria, que agora conta com Bush Matis para coordenar a Univaja pelo triênio 2023/2025, junto com Varney Todah Kanamari na vice coordenação. O povo Tsohom-dyapa foi o único que não contou com representantes na assembleia que recebeu, cerca de 120 pessoas, ao longo dos 4 dias.

O povo Korubo, de recente contato, participou pela segunda vez do encontro que define os rumos da coordenação da Univaja. Na última assembleia, realizada em março de 2020, ocasião da reeleição de Paulo Marubo e Varney Thoda Kanamari, participaram Takvan e Malevo Korubo. Dessa vez, os Korubo foram representados por Txitxopi, Lëyu e Txitxopi Vakwë Korubo.

Três chapas se inscreveram para pleitear a coordenação.

Chapa 1: Jorge Marubo e Raul Matsés;
Chapa 2: Bushe Matis e Thoda Kanamari;
Chapa 3: Jaime Matsés e Feliciana Kanamari;

Houve empate entre as chapas 2 e 3. O desempate foi realizado a partir de votação dos Korubo, que elegeram a chapa 2.

Durante a assembleia, as lideranças elaboraram e assinaram uma carta, entregue no dia 21 de março à Presidenta do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, que visitou o Vale do Javari pela primeira vez.

Leia documento completo aqui:
CARTA MINISTRA ROSA WEBER

Na ocasião, lideranças destacaram a necessidade de proteção territorial, relembrando as violências ocorridas na região, como os assassinatos de Maxciel dos Santos, Bruno Pereira e Dominic Phillips. As lideranças também destacaram a necessidade de contratação de servidores indígenas para o quadro de profissionais da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que ao longo do governo de Jair Messias Bolsonaro, foi sistematicamente sucateado.

Além das lideranças dos seis povos ali representados, houve também a participação de parceiros, como o Centro de Trabalho Indigenista, o Conselho Indigenista Missionário e a Nia Tero Fondation.

 

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Presidência da Funai faz demissão generalizada em coordenações do órgão

Presidente do órgão, Marcelo Augusto Xavier deu ordem para trocar o comando das 15 coordenações de áreas da autarquia; alguns coordenadores ficaram sabendo da exoneração pelo Diário Oficial

BRASÍLIA – O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier da Silva, deu ordem para que o comando das 15 coordenações de áreas da autarquia seja trocado. As exonerações já começaram e, em muitos casos, os coordenadores ficaram sabendo de suas demissões somente após publicação no Diário Oficial da União. Outros estão sendo avisados na véspera que, no dia seguinte, não estarão mais na coordenação da área.

Delegado da Polícia Federal, Marcelo Augusto Xavier assumiu a Funai em julho. Seu nome é apoiado pela bancada ruralista. Xavier atuou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai, em 2016, tendo apoiado os parlamentares que apuravam supostas irregularidades no órgão. Em 2017, ele chegou a pedir à Polícia Federal que tomasse “providências persecutórias” contra indígenas e ONGs no Mato Grosso do Sul que atuassem para entrar em propriedades rurais envolvidas em litígios, por ocuparem terras demandas pelos povos guarani e caiová.

Debaixo de seu comando na Funai estão três diretorias – Diretoria de Administração e Gestão, Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável e Diretoria de Proteção Territorial –, as quais respondem, cada uma delas, por cinco coordenações de áreas.

Essas diretorias também passaram por mudanças recentes. Em agosto, a Diretoria de Proteção Territorial foi assumida pela advogada Silmara Veiga de Souza, que já atuou em caso de contestação de demarcação de terra indígena. No fim do ano passado, Silmara atuou como advogada de clientes que contestam o procedimento administrativo de identificação e delimitação da terra indígena Ka’aguy Hovy, localizada no município de Iguape, no litoral sul de São Paulo. Pouco antes de assumir a Funai, ela deixou de atuar como advogada da causa.

Segundo uma fonte ouvida pelo Estado, as demissões no órgão estão sendo comunicadas sem nenhum tipo de diálogo com a presidência. Questionada sobre o assunto, a Funai declarou que “a exoneração de cargo em comissão e a dispensa de função de confiança é um ato discricionário da autoridade competente”. “É algo natural quando há renovação da presidência dentro de órgãos públicos, e, muitas das vezes necessário para que novas diretrizes de gestão sejam implementadas” informou.

Segundo a nota da assessoria, a posse de Marcelo Xavier como presidente da Funai “deu-se há mais de dois meses, em 24 de julho último; assim sendo, as mudanças nos cargos de confiança não estão sendo realizadas de forma abrupta, mas sim gradativas”.

“Reiteramos, ainda, que todas as alterações observam a legislação e a regulamentação inerentes ao ato administrativo, prezando pela lisura e transparência ao cidadão”, afirmou o órgão ligado ao Ministério da Justiça.

Presidência da Funai faz demissão generalizada em coordenações do órgão. Exame, 2019. Disponível em: Link. Acesso em: 8 de Outubro de 2019.

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Funai exonera 11 coordenadores-gerais em pouco mais de dois meses Leia mais em: https://veja.abril.com.br/politica/funai-exonera-11-coordenadores-gerais-em-pouco-mais-de-dois-meses/

Última demissão mirou no responsável por desenvolver políticas voltadas para índios isolados e de recente contato

Fachada do prédio da Funai em Brasília (antiga sede) – (Mário Vilela/Funai/Divulgação)

Empossado no final de julho como presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), o delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier da Silva demitiu 11 dos 15 coordenadores-gerais que trabalham na instituição. Os funcionários exonerados são subordinados às três diretorias da fundação e dão diretrizes às tarefas desenvolvidas por equipes espalhadas por todo país.

A última demissão foi publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira, 4. Bruno da Cunha Araújo Pereira foi exonerado da coordenadoria que cuida de índios isolados e de recente contato. Pereira trabalhava há nove anos na Funai, mas estava na atual função há um ano. Anteriormente, ele desenvolveu trabalhos com comunidades isoladas no Vale Javari, no Amazonas.

Funcionários da Funai dizem, em condição reservada, que as demissões ocorreram de forma sumária, sem que fosse aberto diálogo com os coordenadores e seus subordinados.

A demissão de Pereira foi comunicada pela diretora de proteção territorial, Silmara Veiga de Souza. Ela é advogada e integrou a defesa de clientes que contestaram o procedimento administrativo de identificação e delimitação da terra indígena Ka’aguy Hovy, localizada no município de Iguape, no litoral sul de São Paulo.

O ouvidor da Funai, Thiago Fiorotti, que é servidor do órgão, também foi exonerado. O número de demitidos tende a crescer. Há relatos de que o coordenador-geral de assuntos fundiários, Rutenes Lopes Fernandes, foi informado por Silmara que não continuará no cargo.

 

GHIROTTO, Edoardo. Funai exonera 11 coordenadores-gerais em pouco mais de dois meses. VEJA, 2019. Disponível em: Link. Acesso em: 4 de Outubro de 2019.

Funai exonera 11 coordenadores-gerais em pouco mais de dois meses Leia mais em: https://veja.abril.com.br/politica/funai-exonera-11-coordenadores-gerais-em-pouco-mais-de-dois-meses/ Read More »

Murder in the Amazon heightens fears for isolated tribes

Alarm spreads among indigenous rights activists and forest defenders as intruders breach the boundaries of protected lands in Brazil.

 

The recent murder of a rights activist assigned to protect isolated tribes in far western Brazil has raised fears for the security of the Amazon’s indigenous populations and those who defend them.

The worker, Maxciel Pareira dos Santos, was shot and killed on September 6 by an unidentified hit man riding on the back of a motorbike along the main street of Tabatinga, a frontier city near sprawling Javari Valley Indigenous Territory. The protected area harbors the largest concentration of uncontacted and isolated tribes in the world.

Santos had worked for 12 years for Brazil’s indigenous affairs agency, FUNAI, manning a strategic outpost where two rivers lead into the depths of the 33,000-square-mile reserve, with its estimated 5,000 indigenous inhabitants. The post and its handful of personnel are all that stand between Javari’s rich biodiversity and a potential flood of newly emboldened timber and wildlife poachers.

The checkpoint has come under armed attack by would-be intruders five times since the beginning of the year, most recently on September 21. Days after the penultimate attack, by unidentified gunmen in mid-July, FUNAI agents and an escort of army soldiers caught poachers red-handed inside the reserve with 300 threatened Amazonian turtles and a cache of 40,000 turtle eggs.

Across the Brazilian Amazon, outlaws of every description—wildlife poachers, wildcat gold prospectors, land-hungry settlers, drug traffickers—are breaching the boundaries of indigenous lands. Efforts to protect these areas—seen by experts as a critical bulwark against deforestation—are faltering. By the end of August, the country’s National Space Research Institute estimated that some 3,500 fires were raging within the boundaries of nearly 150 indigenous territories. The presence of isolated tribes has been reported in at least 13. (Here’s why deforestation is to blame for the Amazon burning at record rates.)

“All this puts the isolated tribes at heightened risk, forcing them into a constant flight from the talons of these groups,” said Roque Paloschi, archbishop of Porto Velho, Rondônia and president of the Catholic rights group Indigenist Missionary Council. The group reported this week that invasions have increased from 111 in 76 indigenous lands in all of 2018 to 160 in 153 indigenous territories in the first eight months of this year.

“What will be their fate?” Antenor Vaz, a lifelong FUNAI field agent who now consults on issues relating to isolated tribes, wrote last month in an online post. “How many groups living in isolation have already been stricken?”

Critics point to Brazilian President Jair Bolsonaro’s strident anti-environmental posture and his blatant disdain for indigenous people as helping fuel a sense of impunity among the outlaws and a readiness to use violence against those who stand in their way. “He doesn’t authorize the violence,” said indigenous activist Beto Marubo, national liaison for the Union of Indigenous Peoples of the Javari Valley, “but the way he speaks is the same thing as authorizing it.”

Fire damage within the core of Arariboia Indigenous Territory, which harbors an estimated 60 to 80 Awá nomads threatened by illegal loggers who covet the region’s precious hardwoods.
PHOTOGRAPH BY CHARLIE HAMILTON JAMES, NATIONAL GEOGRAPHIC

Santos, affectionately called Maxi by Javari’s indigenous people, was a highly regarded friend with an exemplary work ethic who persevered in the face of danger, according to Marubo. Co-workers and indigenous leaders are calling his killing an “assassination” connected to his dedication to protecting the territory and its native inhabitants.

The incident has stirred deep unease. “It has created an atmosphere of trepidation,” said Marubo, “that if you work for indigenous rights or the environment or human rights the same thing could happen to you.”

A surge in illicit logging and mining

“The situation is critical,” said Carlos Travassos, a former director of FUNAI’s Department of Isolated and Recently Contacted Indians who advises the Guajajara Forest Guardians, a group of native volunteers fighting a tide of illegal loggers in their eastern Amazonian homelands. Inside Arariboia Indigenous Territory, which the Guajajara share with an estimated 60 to 80 uncontacted Awá nomads, illicit logging operations have surged in recent months. (Follow the forces trying to stop illegal logging in the Amazon.)

Exceptionally this year, the tree thieves even continued felling timber in Arariboia during the rainy months from November till June, rather than awaiting the dry season to resume operations. Through it all, Travassos said, the Forest Guardians have been left on their own to fend off loggers, death threats, and most recently, brush fires. No support has been forthcoming from the federal agencies responsible for enforcing the law. “There’s a complete absence of control in the territory that could discourage the exploitation of timber,” he said.

Left: Takapen is an Awá who was first contacted in the 1990s but prefers top roam the forests of Maranhão as an unassimilated nomad. Although most Awá have been contacted and now live in settled communities, as many as 100 uncontacted members of the tribe wander th…Read More
Right: An Awá woman poses with her pet black-bearded saki monkey. Even the contacted Awá maintain a close bond with animals that inhabit their forests, which are under assault from loggers, gold miners, and settlers.
PHOTOGRAPHS BY CHARLIE HAMILTON JAMES, NATIONAL GEOGRAPHIC

Even more alarming, the loggers are penetrating into the core of the reserve to steal the precious hardwoods that sustain the sensitive ecology the Awá depend on for survival. “They’re targeting timber exactly in the same area where the isolated Awá-Guajá live,” said Travassos, referring to the tribe by the compound name often used by anthropologists.

Meanwhile, responding to international outcry over his indifference to this year’s dramatic increase in Amazonian fires, President Bolsonaro ordered army troops and federal police forces into the field in late August in a belated attempt to curb the destruction. The deployments have provided a measure of security for environmental enforcement inspectors as they attempt to stem criminal logging, land clearing, and mineral prospecting in protected areas.

Yet agents from Brazil’s environmental protection service, IBAMA, and their federal police escorts were ambushed on August 30 near the Ituna-Itatá Indigenous Territory, in the state of Pará, as they sought to dismantle an illegal mining operation. The reserve is believed to harbor an isolated tribe. There were no casualties in the skirmish.

Pro-Bolsonaro politicians seized the moment to rail against IBAMA for destroying heavy machinery found on the site. They urged Bolsonaro to make good on promises to disallow the destruction of equipment by federal agents and to legalize mining operations on indigenous lands.

Officers from the Special Inspections Group of Brazil’s environmental protection agency, IBAMA, dismantle a bulldozer used in illegal mining operations in Roosevelt Indigenous Territory, in the state of Rondônia. President Jair Bolsonaro has pledged to legalize mineral prospec…Read More
PHOTOGRAPH BY FELIPE FITTIPALDI, NATIONAL GEOGRAPHIC

“It’s lamentable. It’s sad. What country do we live in?” said an indignant Hilton Aguiar, a congressman from the state of Pará who advocates rolling back environment protections in favor of mining and logging interests. “I don’t understand the discourse of the president of the republic. One moment he is going to suspend [the destruction of equipment]. The next, he orders the furtherance of the persecution and mistreatment of the people of our state, of our region.”

In all of Brazil, the reserve most thoroughly infiltrated by outsiders may be Yanomami Indigenous Territory, along the northern border with Venezuela. The Yanomami Hutukara Association says 20,000 gold prospectors are operating there illegally. FUNAI’s estimates are lower—at 7,000. When army troops descended on one mining camp earlier this month, they encountered a small town of 600 squatters, with houses, shops, even a prostitution ring. Some 25,000 Yanomami live in scattered communities throughout the reserve. With only sporadic contact with the outside world, they’re powerless to stop the invasion.

Alarming levels of mercury—a highly toxic metal used to separate gold from the Amazon’s sandy sediments—have been found among Yanomami living near the operations, according to a 2016 study by the Oswaldo Cruz Foundation, a scientific research institution working to promote public health. FUNAI officials reported three years ago that one of the dozens of illegal gold strikes in the territory is no more than a few days’ walk from an uncontacted Yanomami community, raising fears that the villagers could be wiped out by disease or a spasm of violence. Severely constricted budgets and a lack of personnel have hampered FUNAI’s ability to respond to the gold rush.

In the western Amazonian state of Rondônia, members of the Uru-Eu-Wau-Wau tribe say their territory is being overrun by outsiders. For decades, they maintained amicable relations with their nonindigenous neighbors. Not anymore. “They tell us, ‘your land is so big, you don’t need it,’” said Awapy Uru-Eu-Wau-Wau, one of the tribe’s young leaders, recalling recent exchanges with nearby townsfolk that echo Bolsonaro’s rhetoric. “They used to be our friends. Now they’re enemies.” (Watch: FUNAI released video clips of isolated indigenous peoples. Here’s why it was controversial.)

Indigenous rights activists fear that Uru-Eu-Wau-Wau reserve, which contains three uncontacted indigenous groups, could be swallowed by a wave of land prospectors and settlers within a few years if the government fails to intervene. The isolated nomads now wandering the depths of the reserve could perish without the outside world even knowing it, said Fiona Watson of the rights group Survival International in a phone interview from her home in London. One member of the Uru-Eu-Wau-Wau recounted to Watson that settlers told him they’d spotted uncontacted tribesmen in the forest. “Next time we see them, we’re going to kill them,” one of the settlers reportedly boasted.

The picture isn’t uniformly bleak. FUNAI plans to reopen a post to control the flow of supplies into the illegal gold strikes in Yanomami territory sometime later this year. And in mid-September, a combined force from FUNAI, IBAMA, and the federal police destroyed nearly 60 gold dredges operating illegally on the Jutai River, on the eastern flank of Javari reserve. One source said the dredges were exploring an area dangerously close to a tribe known as the Flecheiros, or Arrow People, who are living in extreme isolation.

According to Watson, it’s not enough for authorities to launch occasional raids to break up the mining and logging rings. “They’ve got to go after the big fish,” she said. “They’ve got to start taking people to court and handing out sentences.”

The murder of Maxciel Pareira dos Santos in Tabatinga has heightened the sense of paranoia among FUNAI personnel who have been petitioning the agency’s leadership since March to provide security for field agents exposed to the mounting level of threats. So far, the pleas have gone unheeded.

A new poll released on September 24 by the indigenous rights group Instituto Socioambiental shows that an overwhelming majority of Brazilians favor protecting the forests that hold the country’s uncontacted and isolated tribes.

 

WALLACE, Scott. Murder in the Amazon heightens fears for isolated tribes. National Geographic, 2019. Disponível em: Link. Acesso em: 27 de Setembro de 2019.

 

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Governo exonera indigenista que chefiou megaexpedição de contato com índios isolados

Bruno Pereira é servidor da Funai desde 2010 e ocupava o cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recém Contatados.

 

O indigenista Bruno Pereira (ao centro) em missão realizada pela Funai — Foto: Divulgação/Funai

O coordenador-geral de Índios Isolados e de Recém Contatados da Fundação Nacional do Índio (Funai), Bruno Pereira, foi exonerado nesta sexta-feira (4) do cargo. O indigenista, chefe da maior expedição para contato com índios isolados dos últimos 20 anos, agora voltará a sua lotação de origem, nas bases da Amazônia.

Bruno Pereira permaneceu 14 meses na coordenação-geral da área considerada uma das mais técnicas da Funai. A exoneração foi publicada em portaria do “Diário Oficial da União” desta sexta-feira (4). Nela, o secretario-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Luiz Pontel de Souza, dispensa o coordenador das atividades.

Segundo informado ao blog por servidores do órgão, havia uma pressão de setores ruralistas ligados ao governo para que Bruno Pereira deixasse a coordenação de índios isolados.

Procurado pelo blog, o indigenista não quis se manifestar. Em nota enviada ao blog, a Funai afirmou que a mudança é “natural” uma vez que houve renovação da presidência do órgão. Marcelo Augusto Xavier da Silva, tomou posse como presidente da Funai no fim de julho deste ano. Ainda segundo a Funai, a partir da posse de Marcelo Augusto, “mudanças nos cargos de confiança estão sendo realizadas gradativamente” (veja a íntegra da nota ao final da reportagem).

Bruno Pereira é concursado desde 2010 e ocupava uma das áreas mais técnicas da Fundação devido ao seu profundo conhecimento sobre temas relacionados a índios isolados. Foram nove anos atuando nessa área específica. Oito anos atuando no Vale do Javari, além de outros 14 meses na sede da Funai, em Brasília.

Índios Isolados

Em março deste ano, o blog revelou detalhes da maior expedição dos últimos 20 anos para fazer contato com um grupo de índios isolados da região do Vale do Javari, no oeste do Amazonas.

A missão tinha como objetivo principal evitar conflitos entre os Korubo do Coari (isolados) e outra etnia indígena da região, os Matis (já contatados). Bruno foi responsável por todo planejamento estratégico da missão.

A Funai evitou ao máximo o contato com esses índios isolados seguindo a política da fundação consolidada a partir de 1987. Nesta época, se iniciou a ideia de “zero encontro”, na tentativa de garantir, assim, a autonomia dos índios isolados.

A política é de nunca tomar a iniciativa de aproximação para preservar a decisão deles de se isolar. O órgão abriu uma exceção com o intuito de evitar o confronto entre os dois grupos indígenas, com histórico de violência entre eles.

No mês de maio, também sob a chefia de Bruno Pereira, uma equipe composta por servidores da Funai, índios e profissionais de saúde fez uma nova expedição para manter a relação e monitorar a saúde dos Korubo, atualmente no médio curso do rio Coari, na Terra Indígena Vale do Javari.

Nas últimas duas semanas, Bruno Pereira articulou de Brasília sua última ação, que desmantelou garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, em parte do estado de Roraima. A operação abordou 30 focos de garimpo e retirou invasores.

Nota da Funai

Conforme artigo nº35 da Lei nº8.112/97, inciso I, a exoneração de cargo em comissão e a dispensa de função de confiança é um ato discricionário da autoridade competente.

Ou seja, é algo natural quando há renovação da presidência dentro de órgãos públicos, e, muitas das vezes necessário para que novas diretrizes de gestão sejam implementadas.

A posse do senhor Marcelo Xavier, como presidente da Funai, deu-se há mais de dois meses, em 24 de julho último; assim sendo, as mudanças nos cargos de confiança estão sendo realizadas gradativamente.

Reiteramos, ainda, que todas as alterações observam a legislação e a regulamentação inerentes ao ato administrativo, prezando pela lisura e transparência ao cidadão.

Atenciosamente,

Assessoria de Comunicação da Presidência da Funai

LEITÃO, Matheus. Governo exonera indigenista que chefiou mega expedição de contato com índios isolados. G1, 2019. Disponível: Link. Acesso em: 4 de Outubro de 2019.

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Povos indígenas do Vale do Javari firmam acordo para gestão de seus territórios

Pactuar, entre cinco povos indígenas diferentes, as diretrizes e estratégias de gestão territorial e ambiental de uma Terra Indígena de mais de 8,5 milhões de hectares, situada na fronteira entre Brasil e Peru. Este é o desafio que a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) levou para o encontro de caciques e lideranças da Terra Indígena (TI) Vale do Javari, realizado entre 12 e 14 de julho. No final do encontro, as lideranças aprovaram um documento no qual atualizam suas diretrizes de gestão territorial e ambiental da TI.

As canoas chegavam trazendo as delegações depois de dias de viagem. Para chegar até o encontro na aldeia São Luís, do povo Kanamari, lideranças dos povos Matis, Matsés, Marubo, Kulina e Kanamari se deslocaram de suas aldeias situadas ao longo do rio Javari e de seus rios formadores Ituí, Itaquaí, Curuçá e Jaquirana.

Também participaram da reunião os parceiros dos indígenas, membros de organizações não governamentais e de órgãos de Estado. Nossa equipe do Centro de Trabalho Indigenista esteve presente, junto aos membros da Fundação Nacional do Índio (Funai), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Instituto Brasileiro de Indigenismo (IBI) e Nia Tero.

“Com essas diretrizes os parceiros poderão ter conhecimento do que estamos pensando para proteger e fazer a gestão do nosso território”, diz Paulo Marubo, coordenador geral da Univaja.

O encontro foi realizado no âmbito do projeto de fortalecimento institucional da Univaja, apoiado pela Embaixada da Noruega, que tem como objetivo fortalecer processos políticos importantes junto com suas organizações de base. Antes do deslocamento para a aldeia São Luís, Univaja e CTI realizaram em parceria uma reunião preparatória do encontro, na qual as lideranças de cinco povos da TI discutiram o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) da TI Vale do Javari e a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNGATI). A preparação aconteceu na nova sede da Univaja, recentemente inaugurada após reforma realizada com apoio do CTI.

A demarcação da TI Vale do Javari foi homologada em 2001. Antes disso, nos anos 90 se consolida o movimento indígena na região com a criação do Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja). A organização indígena teve grande importância no processo de demarcação.

“A Civaja organizava muitos encontros como esse para discutir assuntos de interesse de todas as etnias. Durante algum tempo o movimento teve dificuldades de fazer reuniões. Agora estamos resgatando através da Univaja, começando a chamar todas as etnias novamente”, avalia Bushe Matis, da Associação Indígena Matis (Aima).

A Terra Indígena Vale do Javari protege uma imensidão de floresta com alto grau de preservação e uma das maiores taxas de biodiversidade de toda a Amazônia. Soma-se ainda a maior presença de povos indígenas isolados registrada no mundo e a presença dos povos Korubo e Tyohom-dyapa, de recente contato. Durante o encontro, as lideranças trocaram conhecimentos sobre como cada povo pensa suas relações com a terra e com outros povos com os quais compartilham território.

“Nós já protegemos nossa terra há muitos anos, mas precisamos do apoio dos parceiros para que ela seja bem protegida”, conta Adauto Kulina, da Associação Ibá Kulina do Vale do Javari (Aikuvaja). “Estamos protegendo os índios isolados, mas os invasores entram pelos igarapés. Tomara que não aconteça algo pior, se esses pescadores chegarem a encontrar os isolados”, completa.

Atualmente, a TI Vale do Javari vive um novo contexto de aumento das invasões por parte de garimpeiros, madeireiros, pescadores e caçadores ilegais, fato agravado pelos ataques à política indigenista por parte do governo de Jair Bolsonaro. Para os indígenas, as formas tradicionais e as estratégias modernas de proteger seus territórios são uma resposta às propostas do governo federal de exploração de Terras Indígenas.

“Diante desse governo anti-indígena que está aí, com o objetivo de integrar a população indígena, queremos demonstrar que não aceitamos o projeto deles. Nós queremos manter as florestas em pé, queremos manter nossos rios com essa riqueza tão importante que temos. Nós dependemos muito da natureza, dos recursos hídricos que existem no Vale do Javari. Não aceitamos a poluição, não aceitamos nenhuma empresa que chegue oferecendo alguma coisa, somente para destruir essa floresta que defendemos”, comenta Paulo Marubo.

Para enfrentar o desafio de pensar o território, sua proteção e suas estratégias de gestão, as lideranças do Vale do Javari estão recorrendo aos diversos conhecimentos com os quais os indígenas lidam. Durante o encontro, anciões, caciques e pajés apresentaram formas tradicionais de entenderem o território.

“Convidamos nossos curandeiros, nossos pajés, todas as lideranças tradicionais aqui nesse encontro para sabermos qual o pensamento dos mais velhos sobre o território”, conta Varney Todah Kanamari, vice-coordenador da Univaja.

Jovens Agentes Ambientais Indígenas, que participaram das formações em parceria com o CTI, também tiveram espaço para expor ideias. Além de participar das discussões das diretrizes prioritárias de gestão propostas pelos indígenas, o CTI também tem apoiado a implementação de algumas delas ao longo de seu trabalho no Vale do Javari. O manejo de quelônios feito pelos Marubo no rio Ituí, de palheiras feito pelos Kanamari no rio Itaquaí, de peixes pelos Matsés e Kanamari no médio Javari e baixo Curuçá, são algumas das ações atualmente em curso apoiadas pelo CTI por meio do projeto Consolidando Experiências de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas na Amazônia Brasileira, com recursos do Fundo Amazônia do BNDES.

“Queremos fazer manejo de peixes, de quelônios, de macacos. Nós não podemos pensar hoje como antigamente, ‘aqui tem muito bicho, vamos logo matar todos’. Agora é uma outra época, tínhamos uma menor quantidade de população, hoje além de maior quantidade temos meios de caçar mais rápido. Com isso vemos que os animais estão se afastando cada vez mais. Está diminuindo a quantidade de quelônios, de peixes, de macacos, queixadas. Com essa ferramenta de PGTA estamos aprendendo a planejar como vamos viver futuramente”, diz Bushe Matis.

A Univaja e suas organizações de base consideram que as diretrizes de gestão territorial e ambiental discutidas e aprovadas devem orientar o seu trabalho, além das ações com organizações parceiras e órgãos governamentais executores da política indigenista e ambiental.

NAKAMURA, Rafael. Povos indígenas do Vale do Javari firmam acordo para gestão de seus territórios. Trabalho indigenista, 2019. Disponível em: Link. Acesso em: 13 de Agosto de 2019.

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Cercados por todos os lados

ATALAIA DO NORTE (AM)O clima esquentou para os marubos: invasões do tráfico, de madeireiros e de caçadores ilegais colocam em perigo os moradores da região sul do Amazonas, a mais nova fronteira da ocupação do agronegócio e do extrativismo.

Quem vê um marubo não esquece: seu sinal característico são os cordões de contas brancas que vão de orelha a orelha, atravessando o nariz. O grupo, que em sua maior parte vive no sul da Terra Indígena Vale do Javari, no município de Atalaia do Norte (AM), habita o que até duas décadas atrás era uma região de baixa pressão econômica.

Agora, está sob ameaças de natureza econômica, criminosa e política, testemunhou o fotógrafo Sebastião Salgado em sua segunda expedição à área -a primeira foi em 1998. Os sinais dessas ameaças se intensificaram no ano eleitoral de 2018.

Em dia de festa, o grupo de marubos dança para receber forasteiros, na aldeia Maronal

Os marubos estão cercados por todos os lados. A leste, a área do rio Purus foi alvo de queimadas em terras públicas, com objetivo de grilagem.

Ao sul, na região de Cruzeiro do Sul (AC), ações repressivas não reverteram atividade madeireira, lavouras ilegais e abate de animais silvestres.

A oeste, no lado peruano do rio Javari, relatórios da agência local antidrogas e do Exército brasileiro apontam desmatamento galopante e ocupação por plantações de coca.

E, pelo norte, criminosos invadem a terra para tirar madeira e animais, aproveitando o esvaziamento das bases da Funai. Nos rios, os índios são assaltados por gasolina, comida e dinheiro ou apenas perseguidos.

Na véspera do Natal, homens armados em dois barcos atacaram uma base do órgão no encontro dos rios Ituí e Itacoaí. “Foi terrorismo, para acabar com a fiscalização”, diz o comandante do 8º Batalhão de PM (AM), major Huoney Herlon Gomes.

A intenção daqueles homens, segundo ele, era “matar todo o mundo”. Alguns soldados responderam aos disparos. Mas não houve vítimas entre os PMs que, excepcionalmente, faziam a segurança do lugar, nem entre funcionários da Funai e colaboradores indígenas. Os barcos usados pelos bandidos foram achados com marcas de sangue no dia seguinte. O Exército foi acionado, mas os atiradores não foram identificados.

Os marubos se interessam pela educação formal e pelo aprendizado do português, o que os leva às cidades. O resultado é a redução na população, diz o líder Wino Këyashëni, ou Beto Marubo, ligado à União dos Povos Indígenas do Vale do Javari.

Em 2014, eram 2.008 marubos; em 2017, 1.988, segundo dados da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde).

Além disso, o programa de saúde indígena não consegue debelar a epidemia de hepatite que há décadas assola a região, nem a malária. Índios são levados com frequência para tratamento nas cidades e acabam contraindo outras doenças.

Outra preocupação da etnia é com os indígenas isolados no vale do Javari. Há indicações da presença de 23 desses grupos na região, sendo 9 delas comprovadas. Os isolados ora são alvos de ataques, ora se aproximam de áreas ocupadas por outros índios, o que gera conflitos.

Um desses grupos, composto por 34 indivíduos da etnia korubo, foi contatado em abril, na região do rio Coari. Entre outros indígenas falantes de línguas do tronco pano, os marubos participaram da equipe responsável por fazer o contato.

O esvaziamento da rede de bases da Frente de Proteção do Vale do Javari amplificou o medo. Esses postos instalados pela Funai têm a missão de evitar invasões de madeireiros, de caçadores e pescadores ilegais, de traficantes que se escondem na área indígena e de garimpeiros.

A partir de meados dos anos 1990, foram implantadas quatro bases de proteção em pontos estratégicos das calhas dos rios que dão acesso a áreas de índios isolados. Mas três delas foram fechadas nos últimos anos.

Em outubro de 2018, o Ministério Público Federal iniciou ação contra a Funai e a União, exigindo a reimplantação das bases em todo o estado do Amazonas, com equipes para dar conta de sua competência constitucional de “coordenar e implementar as políticas de proteção aos grupos indígenas em isolamento voluntário e de recente contato”, tendo em vista os riscos do contato para esses grupos, “principalmente a incidência de epidemias e mortes”.

Diante da denúncia de um massacre de índios por garimpeiros, em 2017, a base de Jandiatuba foi reativada, mas opera em caráter precário. O único posto em pleno funcionamento é o localizado no encontro dos rios Ituí e Itaquaí, aquele que foi alvo de tiros às vésperas do Natal.

Pakampa com sua mulher, Pakã-ewa, e filhos, Paka e ShetaKonô, da aldeia Morada Nova

Há também notícias de isolados que buscam as florestas do Javari, até hoje mais protegidas, fugindo da devastação em áreas do Acre e do outro lado da fronteira com o Peru. Segundo Beto Marubo, há indígenas isolados deixando a floresta em Madre de Dios, no Peru.

O temor dos líderes marubos é que os grupos isolados, pressionados por invasões ou conflitos na sua área de perambulação, se desloquem para áreas ocupadas por outros índios, com risco de conflitos e mortes.

Ao evitar a presença de não índios, as bases de proteção reduzem ameaças também a marubos e outros habitantes, que reclamam de atividades ilegais na Terra Indígena. Assaltos a barco são o indício mais citado do crescimento da insegurança.

Beto Marubo apresentou relatório da situação crítica dos isolados no Brasil no fórum das Nações Unidas sobre Assuntos Indígenas, que aconteceu de 22 de abril a 13 de maio na sede da ONU, em Nova York.

A índia Shanko Ewa (que significa ‘mãe de’) e seu filho Shanko, em maloca da principal aldeia marubo, chamada de Maronal, na região sul do estado do Amazonas (2018)

 

A maloca é sempre escura e obriga qualquer um a se curvar na entrada

Na chegada à aldeia Maronal, principal comunidade dos marubos, o forasteiro é conduzido em uma marcha na qual os índios cantam e dançam, enquanto percorrem o espaço onde ficam suas casas.

A recepção é uma festa. Os visitantes são levados à maloca do principal líder, Ivinimpapa, o Alfredão. Homens mais velhos nos esperam na entrada, sentados em bancos.

A expedição de Sebastião Salgado começa por Maronal porque há, ali, uma reunião de representantes de várias comunidades, presentes para uma festa de celebração da fartura da época das chuvas, chamada de isso-shënya ou “macaco gordo”.

Nessas oportunidades, todos aproveitam para trocar experiências e narrar os problemas que vivem.

É também quando se faz política: durante o dia, os líderes falam sobre preocupações com seu território, a saúde dos marubos e as ameaças aos índios isolados. Depois, dançam e cantam até o amanhecer.

A aldeia é formada por seis seções entremeadas por trechos de mata. Cada uma dessas seções tem uma grande maloca oblonga (seu formato lembra uma bola de futebol americano cortada ao meio) ao centro e várias casas pequenas em volta. A maloca é como uma aldeia independente, formada por uma família ou clã. É conhecida pelo nome do líder que a construiu ou a comanda, mas é coletiva, abriga a todos daquele grupo.

As pessoas dormem e comem por lá. Há espaços demarcados para cada família nuclear. Cada mãe tem seu fogareiro para esquentar as noites e cozinhar -o que ela prepara é para consumo de todos.

Nas construções em volta, as famílias guardam os bens que não cabem na residência, como panelas de barro, máscaras rituais e coisas adquiridas após o convívio com não índios (motosserras, motores, aparelhos de som). Durante o dia, essas casas são usadas para atividades que exigem luz, como a confecção de artesanatos, já que as malocas são escuras.

A forma mais rápida de chegar à terrados marubos é voando de monomotor de Cruzeiro do Sul, no Acre, até as comunidades que têm pistas de pouso, caso de Maronal. Essa viagem só pode ser feita em um teco-teco, porque a pista é curta e em forma de “L”.

Minutos depois de sair de Cruzeiro do Sul, o cenário de fazendas desmatadas é substituído pelo da floresta densa. A visão é a de um maciço verde escuro, às vezes cortado por pequenos rios de cor barrenta e umas poucas clareiras naturais. Voamos nesse cenário até que o piloto localiza um grupo de quatro malocas com casinhas em volta.

A chegada, precedida pelo barulho do motor, atrai à pista um monte de gente, em que se destacam as crianças e as mulheres com os adereços típicos do grupo: longos fios de contas grossas, brancas, cruzados sobre o peito e as costas, e outros mais finos, de miçangas, que vão de orelha a orelha passando por dentro do nariz, marca registrada da etnia.

Membros da aldeia Maronal pintados para a festa do macaco gordo

Quando se trata de relacionamento com o Estado ou os não índios, os marubos têm duas referências: as cidades de Atalaia do Norte (Amazonas) e de Cruzeiro do Sul. Embora vivam na Terra Indígena Vale do Javari, dentro do município amazonense, a cidade acreana é mais perto, a cerca de 60 km do limite sul da terra indígena. Em linha reta, os pequenos aviões fazem o percurso em meia hora. A pé, são dois dias e meio.

Para Atalaia do Norte são feitas as viagens de barco, mais demoradas, que levam cargas pesadas. São cerca de 230 km em linha reta, mas, serpenteando os rios, o percurso chega a durar nove dias.

HOMEM SENTA EM BANCO E COME ANTES DA MULHER, QUE SENTA NO CHÃO

 

Ao entrar em uma maloca marubo, os olhos têm um choque: impera um escuro permanente, quebrado apenas por alguns pequenos buracos no teto e os fachos que entram nas duas únicas entradas, nos lados opostos da grande casa comum.

Nas pontas, as portas sempre abertas exigem que até o mais baixo dos adultos se curve para entrar. Há uma entrada principal, que aponta para o nascer do sol, e uma oposta. As visitas entram pelo lado da alvorada. Logo se veem dois bancos compridos que formam um corredor.

Atrás do banco da esquerda há um trocano, instrumento de percussão composto por um tronco escavado no miolo, com uma abertura reta, no sentido da madeira. Quando alguém bate com bastões rígidos nesse orifício ou pelo lado de fora, o instrumento emite um som grave e alto, que serve para chamar a atenção de pessoas distantes ou comandar o ritmo da música nas noites de festa.

Os bancos são reservados aos homens. Ali eles conversam, comem, tomam ayahuasca e cheiram rapé.

As mulheres se sentam ao centro, em esteiras no chão, com as crianças, e fazem as refeições depois de servirem os homens. Junto à porta dos fundos há um outro tronco, usado como pilão, para triturar alimentos.

A maloca é sustentada por colunas que a dividem em três partes. A área central é de uso coletivo, e há dois gomos laterais entre as colunas e as paredes, onde ficam os espaços de cada família. Ao entrar pela porta principal, o primeiro espaço familiar, à esquerda ou à direita, é destinado ao dono da casa.

Um homem pode se casar com uma ou mais irmãs de sua mulher. Nesse caso, cada uma terá espaço correspondente ao de uma família, e o marido poderá ficar no espaço de uma ou de outra.

Na aldeia Kumãya, as cunhadas Kôro-Ainvo (esq.) e Manichi sentadas no trocador (instrumento de percussão) com as crianças Máya (à dir.) e Mashë (2018)

A comida é farta na festa do macaco gordo

 

Para os índios marubos, a avareza é o pior de todos os defeitos. O sovina é condenado, enquanto a pessoa generosa é sempre prestigiada. Por isso, quando celebram algo, eles capricham na fartura. Isso fica evidente na festa do macaco gordo (isso-shënya). O fausto é sinal de que os anfitriões não mediram esforços para receber bem os convidados.

A comemoração ocorre na época das chuvas, tecnicamente no verão, mas que na Amazônia é chamada de inverno, porque a sensação térmica é mais fria. Com mais água, as árvores ficam cheias de frutas, e os macacos engordam. É tempo de abundância.

Tão logo a expedição de Salgado chegou ao Maronal, um barco com 12 pessoas também chegava de uma caçada de dois dias. A quantidade de comida que trouxeram era impressionante: grandes cestos com folhas e galhos embrulhavam a carne de quatro antas e 32 macacos (de duas espécies, barrigudo e macaco-preto), além de diversos cachos de banana. Como esse grupo, muitos já tinham voltado de caçadas nos dias anteriores e outros ainda sairiam em breve.

Na aldeia Maronal, Txô-Vanëmpa (ao fundo) acompanha três mulheres que carregam cachos de banana

Quando notou a admiração do repórter diante da fartura, o líder Ivinimpapa, Alfredão, brincou: “Aqui não tem supermercado, não dá para comprar frango na esquina. Temos que caçar”. Ele é o responsável pelos rituais xamânicos que vão dar proteção, coragem e sorte aos caçadores.

Um desses ritos tortura até os mais valentes: na época da caça, as pessoas que querem ter mais sorte ou produtividade no período que se inicia se submetem a picadas de marimbondos, cujo veneno vai deixá-los mais espertos e preparados para a missão. É uma prova de resistência e coragem para jovens e velhos, homens e mulheres.

Na véspera de uma caçada, o líder de uma aldeia localiza uma casa de marimbondos. Ele avisa a todos os corajosos ou necessitados, e eles se organizam para derrubar a árvore onde estão as vespas. Quando o ninho é derrubado, os insetos se alvoroçam e saem picando os agressores. As pessoas vão em direção ao cacho caído para tomarem ferroadas. Mulheres cobrem o rosto com folhas grandes para não serem picadas ali.

Wassi prepara carne de anta em caldeirão na maloca Mati-Këyawaiá

“As picadas de marimbondos vão tirar o panema (azar). A gente fica mais disposto, pronto para os trabalhos que vão se tornar mais intensos a partir da época das chuvas. O veneno do inseto nos purifica”, explica Wino Këyashëni, o Beto Marubo.

Ivinimpapa também oferece aos caçadores a chamada “vacina do sapo”, a secreção da pele de um anfíbio que é colocada na pele de uma pessoa, causando uma reação que os índios descrevem como de aumento de atenção. O campô (veneno de sapo, em sua língua) pode também ser misturado ao rapé (pó preparado com folhas de tabaco e aspirado) e ser consumido na hora da ação. Mas isso é para “caçadores muito fortes”, diz Beto.

VERSOS CANTADOS AJUDAM MARUBOS A MANTER SUA MITOLOGIA VIVA

Alfredão, o pajé da aldeia marubo de Maronal, não entende a cultura dos homens brancos: “Soube que a Bíblia diz que a mulher surgiu da costela do homem, e que os dois comeram uma maçã e começou tudo. É meio ridículo! Outra teoria diz que o homem veio do macaco. É ridículo também. Nós acreditamos que o homem sempre existiu”.

Segundo a mitologia dos marubos, o mundo foi formado pela ação de vários demiurgos (divindades responsáveis pela criação do Universo), que deram forma à Terra ao juntar os restos de muitos elementos. Um desses entes, Kana Voã, tem certo predomínio sobre os outros, mas nada parecido com o Deus monoteísta das religiões abraâmicas (israelita, cristãs ou muçulmanas).

Mas nem tudo é diferente das narrativas dos não índios. Alfredão conta uma história que remete ao dilúvio bíblico e à hipótese da conquista da América pelos Homo sapiens provenientes da Ásia.

Segundo o pajé, em tempos antigos, havia um mundo só. Todos os homens falavam a mesma língua e viviam em um mesmo lugar. Mas um dia as águas subiram, e o mundo foi dividido por um rio enorme. Alguns homens, então, fizeram uma grande ponte e conseguiram atravessar; outros permaneceram do lado de lá.

Os homens que atravessaram trouxeram a memória da língua que falavam antes, o sãinki, “que é o nosso latim”, compara Alfredão, referindo-se a uma língua ritual que os pajés e os mais velhos dominam, mas os jovens desconhecem. “Os pajés rezam e cantam em sãinki”, diz.

De acordo com o antropólogo Pedro Cesarino, estudioso da cultura marubo, a narrativa segundo a qual os povos foram divididos por um grande rio é comum entre diversas culturas da Amazônia.

Em outra versão, narrada no livro “Quando a Terra Deixou de Falar” (editora 34, 320 págs., R$ 64), de Cesarino, a ponte que os índios atravessam é um grande jacaré, “um monstro repleto de alimentos plantados em suas costas (entre os quais diversas espécies de pimentas)”.

Nessa versão, os que primeiro atravessaram a ponte-jacaré (kape tapã, na língua dos marubos) foram os chefes e os xamãs. Eles chamaram os outros e se irritaram ao notar que os retardatários estavam distraídos, brincando e namorando na terra de origem. Quando os atrasados começaram a passar, os pioneiros cortaram a cabeça do jacaré, matando os libidinosos por afogamento.

Cesarino afirma que a mitologia dos marubos é uma das mais bem preservadas entre as culturas indígenas da Amazônia. Isso porque eles mantêm sistemas de narração em frases ritmadas que permitem a memorização de milhares de versos em sequência.

Txana Mayãpa e duas queixadas mortas a tiro na entrada principal da maloca Mati-Këyawaiá 

Esses mitos em forma de poemas são chamados saiti, e sempre são cantados. “São um fenômeno singular nas terras baixas sul-americanas, nas quais, salvo engano, não há outras tradições consolidadas de narrativas míticas cantadas”, explica.

Esse método mnemônico não é muito diferente da forma como foram preservados os livros clássicos da cultura europeia, como a “Ilíada” e a “Odisseia”, graças à boa memória dos narradores e a rimas e métricas.

Ao contar histórias das origens de seu povo, “os velhos se referem a contatos entre nossos antigos e os incas”, diz o jovem Wino Këyashëni, o Beto Marubo. A mitologia descreve esses personagens como poderosos, donos de riquezas, como terras, alimentos e instrumentos de metal.

Na história, antigos marubos viajam à casa do inca em busca de machados de metal para trabalhar nas roças. O uso da palavra inca como sinônimo de personagens poderosos é comum entre os povos pano.

Ao estudar as coincidências entre histórias de incas em mitos de grupos desse tronco, o antropólogo Oscar Calavia Sáez definiu o que chamou de “O Inca Pano”, título de artigo publicado em 2000.

Para ele, a importância do inca entre os povos pano deve-se “ao boom da borracha, o ingresso massivo dos brancos no universo indígena” a partir do final do século 19, o que fez com que eles estabelecessem novos heróis antigos, como uma compensação pelo poder dos novos invasores.

O antropólogo Julio Cezar Melatti, considerado o pioneiro em estudos sobre os marubos, faz um paralelo entre a mitologia e a constituição da comunidade.

De acordo com ele, os mitos marubos sobre a origem do mundo e das pessoas afirmam que tudo foi formado de “partes de seres mortos e mutilados”, exatamente como o povo, que “parece resultar da reorganização de sociedades indígenas dizimadas e fragmentadas por caucheiros e seringueiros no auge do período da borracha”.

As índias Mashë (sentada no chão, à direita) e Nopê Voa (2018)

Elas usam sutiã e trocam contas de caramujo por plástico

Sebastião Salgado revisitou os marubos duas décadas depois de documentar, em 1998, problemas de saúde que maltratavam o grupo, então sob cuidados da organização Médicos Sem Fronteiras. Ao chegar à comunidade Maronal, para participar de um encontro de lideranças dos índios, encontrou diversas pessoas que já havia fotografado.

O fotógrafo convidou toda a comunidade para uma reunião, na qual distribuiu cerca de 400 fotografias antigas. Os índios se divertiram, brincaram com as mudanças nos corpos uns dos outros, mostraram sentimento de perda diante de retratos dos que morreram. O líder Alfredinho ainda pediu para que ele enviasse as imagens digitais, para que as guardassem no computador -máquina que não havia ali em 1998.

Salgado conta que, visualmente, a mudança percebida de forma imediata diz respeito ao jeito de vestir: “Em 1998, nenhuma mulher usava sutiã. Hoje a maioria usa, mas como um adorno que muitas vezes é tirado na hora do trabalho”. Todos os homens, agora, vestem camisas e bermudas. E há mais índios com sobrepeso, diz o fotógrafo.

A produção dos colares brancos, tão característicos da cultura marubo, também mudou de forma visível. Originalmente, eram fabricados de contas feitas a partir da concha de um caramujo de rio chamado aruá.

Antes, os índios furavam as contas com dificuldade, usando pontas de madeira ou de metal. Hoje, têm uma nova técnica, e passam pelas peças um fio de barbante que lixa e aumenta o furo com mais facilidade.

Responsáveis por fazer esses enfeites, as mulheres não podem trabalhar com a casca de caramujo quando estão menstruadas. Por isso, nos últimos anos, começaram a usar pedaços de canos de PVC, brancos como os caramujos, que não são proibidos por sua religião. Assim, os colares passaram a misturar contas naturais e de plástico.

Não foram apenas visuais as mudanças na comunidade desde a primeira visita de Salgado. Décadas atrás, havia grande tensão em relação a invasões, porque as terras dos marubos não eram reconhecidas e demarcadas como hoje. “Houve uma evolução na questão territorial, embora estejamos vendo novas formas de invasão, com a degradação da Funai”, acrescenta.

A população também cresceu. No fim do século 19 os marubos sofreram o impacto do contato com os não índios, na época do ciclo da borracha. Segundo um levantamento divulgado pela Funai, com base em dados de 12 grupos indígenas brasileiros, no período seguinte ao contato com os não índios morrem, em média, dois terços da população.

Há casos de perdas que chegam a 90% dos indivíduos (como os mundurukus e os nambikwaras). No caso dos marubos, não há um censo conhecido de sua população no início do século 20, mas os relatos que eles fazem indicam uma redução dramática, que levou seus líderes a juntar os sobreviventes de diversas seções em um único grupo.

Em 1978, a população total era de apenas 460 indivíduos. “O contato intensificado com não índios e suas doenças fez com que sofressem na pele a aniquilação, o que, nesse caso, é quase uma regra em todo o planeta”, diz o fotógrafo.

Quando da primeira visita de Salgado, em 1998, os marubos tinham dobrado a população, para cerca de 920 pessoas. E agora, mais 20 anos depois, já são cerca de 2.000 pessoas.

Nakua, na maloca principal de sua aldeia, Mati-Këyawaiá. Ele é de outra etnia, matsé, mas é aceito como marubo por morar na comunidade desse grupo desde os anos 1980

Chuvas, cobra, ataque de insetos e pernoite na selva marcam viagem a aldeia

Os marubos vivem junto aos cursos dos rios Curuçá e Ituí e seus afluentes, que correm do sul da Amazônia em direção ao norte. Suas águas chegam ao Javari e é de lá, passando por Solimões e Amazonas, que atingem o oceano Atlântico.

A terra dos indígenas é a zona alta dos dois rios, já perto do estado do Acre. A aldeia mais ao sul do território dos marubos se chama Kumãya (pronuncia-se “cumanha”). Embora essa comunidade fique dentro da Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, seus habitantes têm no Acre os principais vínculos com o Estado e as cidades.

Em dois a três dias de trilhas pela floresta chega-se à cidade acriana de Cruzeiro do Sul, a 62 km dali.

Se a distância parece grande, ela ainda é bem menor do que a viagem de 230 km (isso em linha reta, é muito mais se for considerado o ziguezague dos rios) até Atalaia do Norte (AM), que é a sede do município, com escritórios da Funai (Fundação Nacional do Índio) e do Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), e a referência formal dos índios.

Nos pequenos barcos com motor de rabeta (a hélice fica na ponta de uma haste quase horizontal), usados pelos indígenas, essa viagem pode levar até dez dias -é uma opção apenas para quem carrega muito peso ou leva pessoas doentes.

Da comunidade de Maronal, onde Sebastião Salgado iniciou sua expedição, até a comunidade de Kumãya são gastas, normalmente, entre quatro e cinco horas de voadeira (canoa de metal com motor de popa).

Um líder histórico dos marubos, Carlos Vargas, morto em 2018, decidiu morar em Kumãya para fugir dos incômodos que ele identificava com as beiras de rio, como os mosquitos e a malária.

No quinto dia da expedição às terras dos marubos, Salgado seguiu para Kumãya com sua equipe: o assistente Jacques Barthelemy e o “assessor especial para assuntos de selva”, o mateiro Agostinho de Carvalho.

À noite chovera muito. O céu estava encoberto e as águas, altas, o que é bom para a navegação, mas havia a perspectiva de mais chuva.

Partimos às 10h. Mas, 20 minutos depois, um problema no motor nos fez voltar. Partimos de novo às 10h55.

O tempo na Amazônia pode variar muito. Às 12h, choveu pela primeira vez. Logo parou, abriu um sol forte. Às 13h05, a expedição já tinha pego quatro pancadas de chuva.

Às 13h55, paramos para abastecer o motor com gasolina. Nessa hora, parecia que milhares de mosquitos seguiam o barco; assim que ele parou, fomos atacados. Logo que o galão de combustível foi trocado seguimos viagem, deixando a nuvem de insetos para trás.

Às 15h, chegamos ao igarapé Kumãya, que dá nome à comunidade. Ali faltavam apenas duas horas até o destino, informou o nosso guia, Josimar Wassimpa. Mas o curso d’água é bem estreito, muitas árvores podem ter caído com a chuva.

Dito e feito: às 15h30, nos deparamos com um tronco grosso atravessando o rio de lado a lado. Como as margens são mais altas, passamos por baixo dele e seguimos em frente até que, 12 minutos depois, demos com mais uma árvore caída, bem rente à água.

Foi preciso cortar o tronco a machadadas, um trabalho que demorou pouco mais de uma hora. Restavam duas horas até o pôr do sol. Nossa sorte é que havia parado de chover.

Recomeçamos a viagem às 16h50 e, dez minutos depois, demos de cara com outro tronco, maior. Este levou 90 minutos para ser cortado. Quando ultrapassamos mais esse obstáculo, já estava escuro. Não seria possível navegar até a aldeia de Kumãya. O jeito foi escolher um local e improvisar um acampamento para dormir na selva.

Nosso anfitrião, Wassimpa, indicou que, poucos minutos à frente, havia um antigo acampamento de caça, que deveria ter até um tapiri (abrigo coberto de palha) armado para nos abrigarmos. Seguimos navegando no escuro, iluminando o rio com lanternas para que o condutor pudesse ver o caminho.

Chegamos à beira do local do acampamento às 18h40. O percurso de cinco horas já consumira oito. Saímos do barco e fomos ao local. O tapiri estava abandonado há muito tempo, suas estacas de sustentação pareciam meio podres. Teríamos que montar uma cabana inteiramente nova, já que tínhamos lonas impermeáveis para a cobertura.

Dentro do tapiri abandonado havia um pequeno banco baixo, de madeira fina. Decidi colocar ali a minha mochila. Quando a apoiei na madeira, ela desequilibrou e caiu no chão.

Maloca da aldeia Mati-Këyawaiá

Imediatamente, Manichi, mulher de Wassimpa começou a gritar alto em sua língua. Eu não entendi, mas disse a ela: “Não se preocupe, é impermeável, pode molhar…”, enquanto ela seguia gritando em direção ao marido.

Ele já veio com o facão em riste e, quase junto de minha mochila, desferiu um golpe em direção ao chão: atingiu a cabeça de uma pequena jararaca.

Deu para entender por que os índios aqui reclamam tanto de chamados acidentes ofídicos, o termo médico para picadas de cobra. Na minha segunda expedição ao Vale do Javari (a primeira foi em outubro de 2017, aos índios korubos), me vejo à frente da segunda jararaca. A pequena serpente tinha cerca de 50 cm.

Jararaca é uma palavra genérica usada no Brasil para diversas cobras do gênero Bothrops.

Três institutos brasileiros, como o Butantan, produzem antídotos para seu veneno. Mas ele precisa ser mantido gelado, e as geladeiras são raras nesse pedaço do Brasil onde há poucas fontes de energia elétrica.

Não tínhamos tempo a perder: Agostinho e Wassimpa entraram no mato para buscar estacas e forquilhas necessárias à estrutura do acampamento, que deveria aguentar redes de cinco pessoas. Enquanto isso, limpamos o terreno onde ficaria a barraca.

Cerca de uma hora depois, nosso lar estava montado, as redes, amarradas. Começou a cair aquela chuva amazônica, que perdurou até as 5h do dia seguinte.

À noite, na floresta, o chão tem uma temperatura fria, que aumenta com a sensação de umidade. Há uma intensidade de sons desconhecidos, como se uma multidão barulhenta tivesse acordado ao escurecer. Os barulhos são irreconhecíveis para quem não é do ramo. Um, para mim, era claramente um porco-do-mato – mas se tratava de um sapo, explicou Agostinho.

Quando passava pouco das 5h30, o acampamento já estava acordando. Às 6h30, estávamos novamente no rio. A chuva derrubou mais árvores. Até as 8h, ainda foi preciso cortar a machadadas mais dois troncos.

Chegamos a Kumãya às 8h10. A diferença de ambiente é marcante: a aldeia fica em uma espécie de colina acima do nível do rio, não tem mosquitos, e a temperatura é levemente mais baixa do que em Maronal.

Até os anos 1970, os marubos viviam em locais como esse. Depois, foram convencidos a mudar para as margens do rio Curuçá, mais acessíveis para os funcionários da Funai.

A aldeia tem uma única maloca e oito casas sobre pilotis em torno dela. Uma serve para guardar os remédios, que são responsabilidade do agente indígena de saúde, Cláudio Domingos.

Kumãya é rota de passagem para muitos moradores de outras aldeias que decidem ir a Cruzeiro do Sul. Também seus moradores passam longas temporadas fora, quando têm filhos em idade escolar: os pequenos vão para a escola na aldeia de Maronal; os adolescentes fazem o ensino médio em Cruzeiro do Sul.

“O que você vê aqui”, diz Cláudio, “é que a falta de escola na aldeia leva as famílias para longe. O pior é no caso do ensino médio, quando os jovens são forçados a ir para longe”.

Das oito famílias que moram em Kumãya, quatro têm membros que estão em Cruzeiro do Sul acompanhando filhos em idade escolar.

Segundo o antropólogo Pedro Cesarino, passar temporadas longe de casa é um elemento da cultura dos marubos: “Ao final de um tempo, todos eles voltam para casa”, diz. Ou, como o antigo líder João Tuxaua disse ao jovem Beto Marubo, quando este foi estudar em Atalaia do Norte (AM), ainda adolescente: “Você vai, e volte. Sempre volte e não esqueça daqui. Eu e você vamos ser enterrados na cabeceira deste rio aqui”.

Txomãwa (com a mão na água) e crianças, na aldeia Maronal (1998)

Taxas de hepatite e malária são uma ameaça constante

A festa que marca a chegada da época das chuvas e da fartura levou à comunidade de Maronal uma série de líderes de diversas outras aldeias marubo. Além de festejar, eles aproveitam para discutir os problemas que enfrentam em suas áreas, trocar experiências e articular alianças.

Em seus depoimentos, há reclamações unânimes sobre as estruturas dos serviços públicos de educação e saúde, que frequentemente não são fornecidos nas localidades onde as pessoas moram, o que força os marubos a viver longos períodos longe de casa.

Jonas Nënkëmpa, 42, e Américo Txana, 38, são professores na escola de Maronal. Estudaram em Cruzeiro do Sul, no Acre, e Tabatinga, no Amazonas, antes de voltar para ensinar na sua comunidade.

“Aqui ensinamos até o nono ano, em escola vinculada ao município. Depois ensinamos o correspondente ao primeiro ano do ensino médio. A partir desse momento, os jovens que querem seguir estudos vão para Atalaia do Norte”, conta Jonas, formado em pedagogia pela Universidade Estadual do Amazonas.

Josimar Wassimpa, 49, que saiu de Kumãya para a festa em Maronal, conta que em sua aldeia não há nem escola fundamental. “As crianças têm que estudar em Cruzeiro do Sul. As famílias vão junto. Hoje, em minha comunidade, tem só duas, e três crianças pequenas”, diz ele.

Alberto Marubo, 44, agente comunitário de saúde na comunidade de Mati-Keyawai, a 45 minutos de barco de Maronal, afirma que também lá não há escolas. “As crianças pequenas vêm todo dia até Maronal para estudar.”

Famílias de aldeias mais distantes, sem escola fundamental, se mudam de forma precária para Maronal, e ficam sem condições de plantar e colher em suas roças, como é tradição.

Os mais velhos reclamam que muitos dos jovens que vão para as grandes cidades acabam expostos ao risco de alcoolismo e da dependência química. Alguns não voltam ou demoram muitos anos para retornar à sua comunidade.

Autor de diversos ensaios sobre a cultura dos marubos, o antropólogo Pedro Cesarino afirma que o desejo de estudar e de conhecer a cultura não índia é uma tendência desse povo.

“Essas cidades estão em áreas que os índios frequentavam antes e que fazem parte de seu território expandido. Além disso, é parte da tradição marubo querer aprender a língua dos brancos fluentemente”, diz. Mesmo os que ficam mais tempo longe de casa terminam por retornar, afirma ele.

Maloca de Ivinimpapa em construção, na aldeia Jaburu, no rio Curuçá

O sistema de saúde tem problemas semelhantes: muitos pacientes são removidos para atendimento em grandes centros, ficando expostos ao contágio de doenças mais graves nos hospitais regionais.

A estrutura simples implantada pela Sesai (Secretaria de Saúde Indígena) nas comunidades não dá conta de emergências comuns na região, como picadas de cobra, reclamação frequente dos índios.

“Uma criança aqui da aldeia, picada por cobra, teve que cortar a perna. Hoje ela tem 13 anos, se adaptou bem à prótese, mas, se houvesse antídoto disponível, ela não teria o problema”, diz Américo, de Maronal.

A falta de soro antiofídico nas aldeias se deve ao fato de que o produto brasileiro deve ser mantido em geladeira e, por falta de eletricidade, não há refrigerador nos postos de saúde do Javari.

Duas doenças têm alto índice de ocorrência na região e são motivo de preocupação constante: hepatite e malária.

Segundo Antônio Ako Emãpa, líder da aldeia Jaburu, a “hepatite foi doença trazida de fora, matou muitos parentes entre 2000 e 2005, que foi o pior tempo. Não tínhamos como tratar. Agora houve muita vacinação, mas adiantou pouco, ainda tem muitos casos”.

Manoel Ronîpa, 63, da comunidade de Terra Alta, faz parte do Conselho Distrital de Saúde e já viajou diversas vezes para reuniões com o Ministério da Saúde, mas diz que não o escutam.

“Não tem como pensar em saúde nas aldeias como atendimento básico. Nós estamos muito longe para remover todos os casos mais sofisticados. Gastamos muito com remoção e gasolina e não resolvemos as urgências. E a pessoa vai para a cidade e volta com doenças mais graves, magra, para morrer na aldeia.”

Wassimpa, de Kumãya, também reclama da falta de um posto de saúde com mais recursos em sua aldeia: “Lá não tem hepatite nem malária. Mas quando ocorrem emergências, picadas de cobra, acidentes de trabalho, o agente indígena de saúde não tem soro antiofídico ou material para suturas. E as remoções são caras e complicadas”.

Segundo a Sesai, suas equipes realizam semestralmente no local testes de hepatites virais e dão orientações sobre suas formas de transmissão e prevenção.

Em relação à malária, o órgão diz que instalou mosquiteiros impregnados com inseticida na região, busca criadouros para controlar os mosquitos e trata os casos positivos.

Na aldeia Kumãya, a menina Tsainama fura a casca do caramujo aruá para fazer cordões de contas (2018)

Da câmera analógica à digital, o que mudou nas fotos em 20 anos

Se é verdade que um homem não atravessa duas vezes o mesmo rio, o Sebastião Salgado que recentemente cruzou o rio Curuçá para chegar à aldeia Maronal não é o mesmo que ali esteve 20 anos antes.

Da mesma forma que os índios marubos mudaram em duas décadas, o repórter fotográfico que, então, já era conhecido internacionalmente, se transformou no fotodocumentarista mais celebrado do mundo, autor das exposições mais visitadas e de best-sellers editados em diversas línguas em todo o planeta.

Em 1998, Salgado ainda não tinha feito a migração da fotografia analógica para a digital: ainda usava câmeras Leica e filmes de 35 milímetros.

Já entusiasta da foto em preto e branco, ele normalmente usava filmes Tri-X, com sensibilidade de 400 ASA, produzidos pela Kodak. “Era o melhor filme de alta velocidade que já existiu”, diz, entusiasmado com a lembrança.

O filme era usado em quase todas as situações por sua versatilidade: ele podia fazer fotos em dias mais iluminados (usava aberturas menores do diafragma ou velocidades maiores do obturador) ou levemente escuros (e, nesse caso, abria mais o diafragma da câmera ou reduzia a velocidade).

A jovem Yochi na aldeia Maronal (1998)

Apesar de morar na ensolarada floresta amazônica, os índios passam muito tempo dentro de suas malocas sem janela e à sombra das copas das grandes árvores, ambientes bem escuros.

Nessas situações, Salgado usava um filme chamado T-max com sensibilidade de 3.200 ASA. Quando revelado, frequentemente o filme apresentava uma granulação muito acentuada, que pode ser notada em algumas das fotos feitas em 1998 publicadas nesta edição.

Quando fazia as fotografias do projeto “Gênesis”, em 2005, o fotógrafo mudou de tecnologia. Primeiro, adotou câmeras para filmes maiores do que 35 milímetros, usando principalmente uma máquina Pentax 645, para filmes 120, que produzem imagens de dimensões superiores às das mais comuns câmeras 35 mm.

Depois, adotou a tecnologia digital, com máquinas Canon. Hoje, uma câmera digital 1Dx, como as que Salgado utiliza, tem uma sensibilidade maior do que tinha a de um filme analógico para cinema há 30 anos.

Seus fotogramas registram detalhes como antes só era possível ver nas máquinas chamadas de grande formato -câmeras que tinham negativos do tamanho de um livro.

“A máquina atual não tem grãos, as fotos ficam lisas, as texturas mais suaves”, explica. Para obter as texturas que alcançava em suas fotos feitas em filme, ele reintroduz no arquivo digital o grão do fotograma Tri-X.

Ainda assim, mesmo com um grão do antigo filme, a qualidade dos fotogramas digitais é muito superior à dos analógicos, o que pode ser constatado comparando-se as imagens mais recentes da aldeia Maronal com as feitas 20 anos antes.

Mas, segundo o fotógrafo, o que realmente revolucionou seu trabalho com o desenvolvimento da fotografia digital foi a alta sensibilidade alcançada nas câmeras para trabalhos em situações de baixa luminosidade, conservando a qualidade dos fotogramas.

Isso deu a ele a possibilidade de trabalhar com grande conforto nos interiores, em locais pouco iluminados. “Antigamente eu perdia mais de 90% das fotografias feitas em interiores escuros”, conta.

Um outro elemento mudou: no projeto “Gênesis”, Salgado também passou a usar fundos infinitos em certas fotografias, criando, com um tecido encerado, como aqueles usados para cobrir cargas de caminhão, um ambiente que se assemelha ao de um estúdio fotográfico.

O objetivo é isolar os personagens da exuberância dos ambientes em que ele trabalha, como selva ou gelo. “A primeira vez que usei estúdio foi no Parque Indígena do Xingu, em 2005. Depois, fui com ele para Nova Guiné e para outras regiões do planeta”, conta.

Conhecido por reportagens visuais construídas ao longo de vários anos, como “Trabalhadores”, ”Êxodos” e “Gênesis”, Salgado trabalha desde 2013 no projeto chamado “Amazônia”, que documenta tanto as comunidades indígenas quanto as paisagens da maior floresta do planeta, em uma grande série de imagens que inclui também fotos aéreas.

Ele planeja para a partir de 2021 o lançamento de um livro sobre esse projeto e também uma agenda de exposições no Brasil e em diversos países.

A Folha acompanha Sebastião Salgado em expedições pela Amazônia. Além deste caderno especial sobre os marubos, já foram publicadas reportagens sobre os índios korubos (5/12/2017), os ashaninkas (20/5/2018), os suruwahás (2/9/2018) e os yawanawás (16/12/2018).

Salgado se formou em economia. Durante a ditadura militar, exilou-se na França. Apaixonado pela fotografia, em 1970, passou a trabalhar registrando imagens.

 

A menina Voa, na aldeia Mati-Këyawaiá

Trabalhou em agências como a prestigiosa Magnum, fundada por Robert Capa (1913-1954) e Henri Cartier-Bresson (1908-2004). Desde 1994, ele e sua mulher, Lélia Wanick Salgado, mantêm a sua própria agência, Amazonas Images -hoje Studio Sebastião Salgado– com sede em Paris.

Reconhecido como um dos principais nomes da fotografia internacional, recebeu vários prêmios e homenagens por seu trabalho. Fotografias suas estão presentes em importantes coleções e museus em todo o mundo.

Em dezembro de 2017, assumiu uma cadeira na Academia Francesa de Belas Artes, maior reconhecimento do governo e da comunidade artística francesa a um criador que atue no país. É o primeiro brasileiro a ocupar essa posição no Institut de France, que reúne as cinco grandes academias francesas.

SERVA, Leão. Sebastião Salgado na Amazônia. Folha, 2019. Disponível em: Link. Acesso em: 19 de Maio de 2019.

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Além de conflitos, etnias indígenas do Vale do Javari já sofreram com doença rara

O clima de tensão e o passado de conflitos frequentes que marcam a história da Terra Indígena (TI) Vale do Javari, onde a Funai realiza a maior expedição dos últimos 20 anos, não foi a única ameaça aos índios daquela região no extremo oeste do estado do Amazonas.

Há alguns anos, várias etnias indígenas do Vale do Javari tiveram que lidar com a ameaça de propagação da Febre Negra de Lábrea, uma rara e grave forma de hepatite.

Diante dos riscos de mortes gerados pela doença, o país preparou a Missão Javari, realizada em 2008 a pedido do então ministro da Defesa Nelson Jobim, que levou um navio de assistência hospitalar à região com equipes médicas para combater a propagação da doença.

Entre os atingidos pela Febre Negra de Lábrea, estava o chamado “grupo da Maya”, formado por uma parte dos índios Korubo, etnia que também faz parte do objetivo da expedição da Funai em andamento em 2019.

Na missão iniciada neste mês, a Funai tenta o primeiro contato com uma parte dos índios Korubo que permaneceram isolados até hoje. Atualmente, os Korubo tem um grupo totalmente isolado e outros pequenos grupos com recente contato.

O grupo da Maya já havia tido seu primeiro contato com equipes de sertanistas quando sofreu com a Febre Negra de Lábrea. Por causa disso, esses índios receberam tratamento dos médicos e profissionais durante a missão de 2008.

O primeiro contato com o chamado “grupo da Maya” aconteceu em 1996. O grupo de cerca de 18 pessoas era influenciado pela matriarca Maya, daí o nome dado aos índios do grupo.

A Missão Javari foi realizada em 2008, quando o Navio de Assistência Hospitalar Oswaldo Cruz, da Marinha do Brasil, foi enviado com equipes de profissionais para a região de Vale do Javari para realizar tratamento médico e vacinação dos índios.

Dados fornecidos pela Marinha ao blog mostram que a Missão Javari realizou um total de 4.731 atendimentos entre grupos indígenas da região. A equipe enviada atendeu 20 localidades e realizou 618 consultas médicas, 2.203 procedimentos odontológicos, 468 exames laboratoriais, 85 procedimentos de enfermagem, além de uma cirurgia.

‘A Corveta’

 

O médico e escritor Glauco Callia participou da Missão Javari e conversou com o blog sobre a doença que ameaçou o pequeno grupo dos Korubo e outras etnias. Segundo ele, apesar do clima de tensão e conflitos frequentes – que envolveu inclusive um confronto entre os Korubo e agentes da Funasa na época – a equipe de profissionais conseguiu realizar o tratamento em parte dos índios da região.

Depois de completar a missão, Glauco escreveu o livro “A Corveta”, onde conta suas experiências na missão em que teve contato com alguns grupos indígenas da região.

O médico explica que não se sabe como os índios contraíram a doença e que, em 2008, a febre estava se alastrando e atingia não apenas o grupo da Maya, mas também outras etnias como os Matis, os Kulina, os Kanamari e os Mayoruna, estas quatro últimas as mais castigadas.

De acordo com o médico, dados da equipe da missão mostravam que aproximadamente 40% da população das tribos alvo alvos da operação estava contaminada pela doença.

Foi quando o ministro Nelson Jobim acionou a Marinha, mais especificamente o 9º Distrito Naval, para realizar a ação, levando uma equipe no Navio de Assistência Hospitalar Oswaldo Cruz para tratar os índios.

Um dos principais obstáculos narrados por Glauco Callia foi a tentativa de alguns grupos indígenas de espalhar que a equipe de oficiais que estava chegando aplicaria veneno nos índios em vez de fazer o tratamento da febre negra. Muitas tribos acreditaram na versão e se recusavam a receber as vacinas.

“Eu conhecia um ritual deles onde eles mordiam a fruta e te davam a fruta mordida para provar que não estava envenenada. Então eu dei a vacina no meu braço antes de dar no braço deles. Assim, eles foram convencidos”, explica o médico.

Aos poucos, a equipe de profissionais conseguiu apaziguar a região e realizar o tratamento em alguns grupos mas, segundo Glauco Callia, a ação sempre esteve debaixo de um clima de muita tensão. Ao chegar no pequeno grupo dos Korubo, um integrante do grupo Kulina – outra etnia indígena da região – se ofereceu para ser o intérprete da conversa e ajudar a equipe.

Por conhecer parte da língua indígena mayoruna, Glauco Callia descobriu que o intérprete estava traduzindo de forma errada com o objetivo de atrapalhar o tratamento e forçar um conflito entre profissionais e índios.

LEITÃO, Matheus. Além de conflitos, etnias indígenas do Vale do Javari já sofreram com doença rara. G1, 2019. Disponível em: Link. Acesso em: 14 de Março de 2019.

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Além de conflitos, etnias indígenas do Vale do Javari já sofreram com doença rara

O clima de tensão e o passado de conflitos frequentes que marcam a história da Terra Indígena (TI) Vale do Javari, onde a Funai realiza a maior expedição dos últimos 20 anos, não foi a única ameaça aos índios daquela região no extremo oeste do estado do Amazonas.

Há alguns anos, várias etnias indígenas do Vale do Javari tiveram que lidar com a ameaça de propagação da Febre Negra de Lábrea, uma rara e grave forma de hepatite.

Diante dos riscos de mortes gerados pela doença, o país preparou a Missão Javari, realizada em 2008 a pedido do então ministro da Defesa Nelson Jobim, que levou um navio de assistência hospitalar à região com equipes médicas para combater a propagação da doença.

Entre os atingidos pela Febre Negra de Lábrea, estava o chamado “grupo da Maya”, formado por uma parte dos índios Korubo, etnia que também faz parte do objetivo da expedição da Funai em andamento em 2019.

Na missão iniciada neste mês, a Funai tenta o primeiro contato com uma parte dos índios Korubo que permaneceram isolados até hoje. Atualmente, os Korubo tem um grupo totalmente isolado e outros pequenos grupos com recente contato.

O grupo da Maya já havia tido seu primeiro contato com equipes de sertanistas quando sofreu com a Febre Negra de Lábrea. Por causa disso, esses índios receberam tratamento dos médicos e profissionais durante a missão de 2008.

O primeiro contato com o chamado “grupo da Maya” aconteceu em 1996. O grupo de cerca de 18 pessoas era influenciado pela matriarca Maya, daí o nome dado aos índios do grupo.

A Missão Javari foi realizada em 2008, quando o Navio de Assistência Hospitalar Oswaldo Cruz, da Marinha do Brasil, foi enviado com equipes de profissionais para a região de Vale do Javari para realizar tratamento médico e vacinação dos índios.

Dados fornecidos pela Marinha ao blog mostram que a Missão Javari realizou um total de 4.731 atendimentos entre grupos indígenas da região. A equipe enviada atendeu 20 localidades e realizou 618 consultas médicas, 2.203 procedimentos odontológicos, 468 exames laboratoriais, 85 procedimentos de enfermagem, além de uma cirurgia.

‘A Corveta’

O médico e escritor Glauco Callia participou da Missão Javari e conversou com o blog sobre a doença que ameaçou o pequeno grupo dos Korubo e outras etnias. Segundo ele, apesar do clima de tensão e conflitos frequentes – que envolveu inclusive um confronto entre os Korubo e agentes da Funasa na época – a equipe de profissionais conseguiu realizar o tratamento em parte dos índios da região.

Depois de completar a missão, Glauco escreveu o livro “A Corveta”, onde conta suas experiências na missão em que teve contato com alguns grupos indígenas da região.

O médico explica que não se sabe como os índios contraíram a doença e que, em 2008, a febre estava se alastrando e atingia não apenas o grupo da Maya, mas também outras etnias como os Matis, os Kulina, os Kanamari e os Mayoruna, estas quatro últimas as mais castigadas.

De acordo com o médico, dados da equipe da missão mostravam que aproximadamente 40% da população das tribos alvo alvos da operação estava contaminada pela doença.

Foi quando o ministro Nelson Jobim acionou a Marinha, mais especificamente o 9º Distrito Naval, para realizar a ação, levando uma equipe no Navio de Assistência Hospitalar Oswaldo Cruz para tratar os índios.

Um dos principais obstáculos narrados por Glauco Callia foi a tentativa de alguns grupos indígenas de espalhar que a equipe de oficiais que estava chegando aplicaria veneno nos índios em vez de fazer o tratamento da febre negra. Muitas tribos acreditaram na versão e se recusavam a receber as vacinas.

“Eu conhecia um ritual deles onde eles mordiam a fruta e te davam a fruta mordida para provar que não estava envenenada. Então eu dei a vacina no meu braço antes de dar no braço deles. Assim, eles foram convencidos”, explica o médico.

Aos poucos, a equipe de profissionais conseguiu apaziguar a região e realizar o tratamento em alguns grupos mas, segundo Glauco Callia, a ação sempre esteve debaixo de um clima de muita tensão. Ao chegar no pequeno grupo dos Korubo, um integrante do grupo Kulina – outra etnia indígena da região – se ofereceu para ser o intérprete da conversa e ajudar a equipe.

Por conhecer parte da língua indígena mayoruna, Glauco Callia descobriu que o intérprete estava traduzindo de forma errada com o objetivo de atrapalhar o tratamento e forçar um conflito entre profissionais e índios.

LEITÃO, Matheus. Além de conflitos, etnias indígenas do Vale do Javari já sofreram com doença rara. G1, 2023. Disponível em: Link. Acesso em: 23 de Fevereiro de 2023.

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Garimpeiros ameaçam indígenas no Vale do Javari

De acordo com lideranças, os garimpeiros estão entrando na aldeia, levando bebidas alcóolicas, assediando mulheres e ameaçando os indígenas que reagem ao assédio

Aldeia Jarinal, na TI Vale do Javari. Foto por José Rosha, do Cimi Norte I

Indígenas do povo Tsohom Djapa, da aldeia Jarinal, na Terra indígena Vale do Javari, estão sendo ameaçados por garimpeiros que se instalaram ao longo do rio Jutaí. As lideranças indígenas locais contaram no trecho ao menos dez dragas, embarcações projetadas para tirar areia ou lodo do fundo de cursos de água e aumentar portos.

A aldeia fica a cinco dias da sede do município de Jutaí viajando de embarcação pequena. Ali vivem 150 indígenas Kanamary e 42 do povo Tsohom Djapa, que é um povo de pouco contato com não-indígenas. De acordo com lideranças, os garimpeiros estão entrando na aldeia, levando bebidas alcóolicas e assediando as mulheres. Sob efeito do álcool, passam a ameaçar os indígenas que reagem ao assédio feito às suas esposas e filhas.

A informação foi divulgada inicialmente pelo vereador Adelson Korá Kanamary (PT) que é também membro da Associação Kanamary do Vale do Javari – Akavaja. O Coordenador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Paulo Dollis Barbosa da Silva, disse que já comunicou o ocorrido à Coordenação Técnica Local da Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Ministério Público Federal da cidade de Tabatinga (AM).

A coordenadora da Funai local, sediada em Atalaia do Norte, disse que operações para retirada de garimpeiros costumam envolver vários órgãos governamentais naquela região em virtude das dificuldades de acesso aos locais onde os invasores se instalam.

Organizações indígenas têm denunciado invasões à TI Vale do Javari com frequência. Pescadores, caçadores, traficantes e garimpeiros vem causando conflito em várias localidades, afetando inclusive povos de pouco ou nenhum contato com a sociedade envolvente. De acordo com a coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari ali existem ao redor de 18 povos que se mantém sem contato com a sociedade não indígena.

Em setembro de 2017, o Ministério Público Federal (MPF) do Amazonas chegou a confirmar a ocorrência de um massacre contra índios isolados na terra indígena. Segundo o MPF, garimpeiros teriam assassinado índios conhecidos como “flecheiros”, em agosto daquele ano, no rio Jandiatuba, afluente do rio Solimões, no município de São Paulo de Olivença, na fronteira com Peru e Colômbia.

A coordenação da Univaja diz que está aguardando um posicionamento oficial da Funai e do MPF quanto às providências a serem tomadas para resguardar o território e a integridade dos moradores da aldeia Jarinal.

 

ROSHA, José. Garimpeiros ameaçam indígenas no Vale do Javari. CIMI – Conselho Indigenista Missionário, 2019. Disponível em: Link. Acesso em: 18 de Junho de 2019.

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