O Vale do Javari
O nosso território, o Vale do Javari, é a segunda maior Terra Indígena no Brasil, homologada pelo Governo Federal em 2001. Trata-se de uma área, no estado do Amazonas, que abrange parte dos municípios de Atalaia do Norte, Benjamin Constant e São Paulo de Olivença. Está localizado na região fronteiriça entre o Brasil e o Peru.
Além dos sete povos que já mantêm um largo tempo de contato com a sociedade nacional, o Vale do Javari é habitado, também, por uma das maiores concentrações do mundo de povos que vivem em “isolamento”, ou seja, indígenas que vivem sem estabelecer relações permanentes com o Estado brasileiro e suas instituições.
O nosso território possui grandes rios navegáveis, como o Javari, o Curuçá, o Itaquaí, o Ituí, o Jutaí. Durante a estação chuvosa, os rios Quixito, Jaquirana e Jandiatuba também são navegáveis.
Localizado no extremo oeste do estado do Amazonas, o Vale do Javari possui 8,5 milhões de hectares de floresta. As imagens de satélite mostram uma contínua e extensa área de floresta amazônica, com roçados em algumas aldeias e pequenas cidades no entorno do nosso território. Estima-se uma população de 6.102 pessoas (SIASI/SESAI/MS, em 12/12/2022)
Nós, povos que vivemos no Vale do Javari, somos:
Povos falantes da família linguística ‘Pano’
Nós, povo Matsés, também chamados de Mayuruna (ou Mayoruna), vivemos na bacia do Javari, fronteira entre o Brasil e o Peru. Quando os não-indígenas chegaram em nosso território, eles não sabiam diferenciar-nos dos outros povos. Então, todos aqueles que possuíam cabelos compridos, tatuagens faciais, perfurações nasais e guerreavam contra eles eram chamados de Mayuruna. Depois de um tempo, os não-indígenas entenderam que nem todos os povos do Vale do Javari eram Mayuruna e que havíamos nós, os Matsés, um povo diferente dos outros.
O termo matsés nos designa enquanto pessoas em oposição a outros (chamados de mayu ou matsés utsi), como os não-indígenas (chamados de chotac). O termo mayoruna significa “gente do rio Mayo” e foi usado no século XVII por colonizadores e missionários para se referirem aos povos que habitavam a região do baixo rio Ucayali, alto rio Solimões e rio Javari.
Nós vivemos em ambos os lados da fronteira Brasil-Peru. A maioria de nós está distribuída em cerca de 11 aldeias na Terra Indígena Vale do Javari. Somos uma das maiores populações do Vale do Javari. Durante o século XX, a nossa população cresceu consideravelmente. Hoje, somos o maior povo da família linguística Pano habitando na região de fronteira.
Durante décadas, guerreamos contra os não-indígenas para garantir a nossa sobrevivência. Hoje, ainda mantemos nossas práticas de tomar rapé, veneno de sapo, construir grandes roças e malocas. Realizamos também encontros binacionais em que nos reunimos, nós, os Matsés do Brasil e do Peru, para discutirmos a proteção do nosso território.
Principais aspectos
Localização: rios Jaquirana, Curuçá e médio Javari.
Lideranças: Waki Mayoruna, Antônio Flores, Raul Mayuruna, José Patxa (falecido em 2022).
Idioma: Matsés, ramo setentrional da família linguística Pano
11 aldeias: Aldeia 31, Cruzeirinho, Lobo, Soles, São Meireles, Lar Feliz, Nova Esperança, Terrinha, Flores, Fruta-Pão e Lago Grande.
População: 2.132 pessoas (SIASI/SESAI, 2022).
Nós, povo Marubo, habitamos no alto e médio rio Ituí e no alto e médio rio Curuçá, no Vale do Javari. Somos uma das maiores populações do Vale do Javari. Falamos a língua Marubo, da família linguística Pano. Foram os não-indígenas que nos chamaram de Marubo. Nós nos identificamos como Yora (gente) em oposição aos nawa (não-indígenas, e outros que não são yora).
A nossa ornamentação corporal é muito diferente das dos outros povos do Vale do Javari. Nós utilizamos um cordão, feito de caramujo aruá, uma cinta larga confeccionada com caramujo e/ou semente de palmeiras, como o cocão, a jarina ou a pupunha. Utilizamos também um cordão atravessado no septo nasal, feito de caramujo aruá. O formato de nossas aldeias é composto pela maloca, local onde as famílias permanecem ao longo do dia, e casas unifamiliares ao redor da maloca.
Nós, Marubo, somos um dos povos que mais estabeleceu relações com a sociedade não-indígena, desde o século XVII, período de extração da borracha no Vale do Javari. Mesmo após quatro décadas de contato com peruanos e brasileiros, produzindo borracha em troca de mercadorias industrializadas, nós, Marubo voltamos ao “isolamento”. Permanecemos isolados por cerca de duas décadas, quando em 1952, fizemos novos contatos com os missionários no alto Ituí. Fomos um dos povos pioneiros no movimento indígena do Vale do Javari.
Principais aspectos
Localização: alto curso dos rios Curuçá e Ituí.
Lideranças: Guilherme, Misael, João Tuxaua, Zé Barbosa e Alfredão (falecidos).
Idioma: Marubo, família linguística Pano.
27 aldeias: Jaburu, Komãya, Maronal, Matxikeyawai, Morada Nova, São Salvador, São Sebastião, Txonawaya, Volta Grande, Alegria, Carneiro, Fazenda, Kapivanaway, Liberdade, Mâncio Lima, Nazaré, Praia, Pakavanaway, Paraná, Paulinho, Pentiaquinho, Samaúma, Santa Luzia, Vida Nova, Boa Vista, Rio Novo e São Joaquim.
População: 1.543 pessoas (SIASI/SESAI, 2022).
Nós, Matis (termo que significa “pessoa”), nos diferenciamos de outros povos do Vale do Javari (utsi) e dos não-indígenas (nawa), sobretudo, por nossos ornamentos corporais que servem para aprimorar o nosso corpo. Os alargadores, as perfurações nasais e labiais, e as tatuagens marcam o nosso processo de formação enquanto pessoas. Por isso, nos identificamos também como deshan mikitbo (gente do alto curso dos rios) ou mushabo (gente tatuada).
Com frequência, fazemos caminhadas pela floresta para caçar, pescar e coletar matérias-primas. Assim, produzimos nossos artefatos e obtemos nossos alimentos. Esses deslocamentos, em nossa língua, chamam-se kapwek. Até hoje, tomamos o cipó tatxik e caçamos com zarabatanas. Realizamos o ritual mariwin para celebrar os nossos ancestrais, ornamentados com máscaras e folhas de pupunheira em nossas cabeças.
Antigamente, morávamos em grandes malocas, chamadas shobo. Hoje, em nossas aldeias, temos também casas parecidas com as dos não-indígenas, chamadas nawan shobo. Recebemos visitas e fazemos reuniões em nossas malocas. Temos grandes roças. Depois dos anos 1970, residimos um tempo em aldeias no rio Ituí. Atualmente, as nossas aldeias estão localizadas no rio Branco.
Principais aspectos
Localização: rio Branco.
Líder: Txami Matis.
Idioma: Matis, ramo setentrional da família linguística Pano.
5 aldeias: Kudaya, Paraíso, Tawaya, Tëxë Wasa e Nova Geração.
População: 484 pessoas (SIASI/SESAI, 2022).
Nós, povo Kulina-Pano, somos hoje o resultado da união entre os Kulina da família do Mawi, do igarapé São Salvador, e os Kulina da família do Kapishtana, do igarapé Pedro Lopes. Os não-indígenas nos chamaram de Kulina-Pano para nos diferenciar de outros povos, mas a maneira como nossos antepassados se reconheciam como pessoas era usando o termo matsés (em nossa língua, significa “pessoa”).
Os antigos Kulina do igarapé São Salvador usavam cabelos compridos, raspados no meio da cabeça, adornos de caramujo nas orelhas, e perfurações no nariz e na boca. Usavam também penas de arara, mutum, gavião e tucano para ficarem bonitos. Os Kulina do igarapé Pedro Lopes não usavam tatuagens faciais. Seus cabelos também eram longos e com franja.
Antigamente, nossos xamãs usavam rapé de tabaco para curar doenças. Tomávamos veneno de sapo para combater a preguiça e a panemice. Vivíamos em malocas e tínhamos roças. Fazíamos a festa do Cushana, a festa do Paico, a festa do Maú e a festa do Paruka para receber os espíritos e celebrar com eles. O velho Artemio Kulina dizia que quando nós éramos “bravos”, os não-indígenas nos matavam. Por isso, aprendemos a não entrar em conflito, trabalhamos para os não-indígenas e, de modo pacífico, sobrevivemos. Quando os não-indígenas entraram em nosso território em busca de borracha, madeira e petróleo, nós chegamos a ter contato com eles.
Trabalhamos com eles para conseguir ferramentas de metal. Depois, nos anos 1960, os Matsés guerrearam conosco. Tivemos muitas guerras com os não-indígenas, seringueiros, madeireiros e também com os Matsés. Hoje, a nossa população volta a crescer novamente. Temos quatro aldeias, chamadas Pedro Lopes, Nuntewa, Bukuak e Bela Vista. Cacau Kulina, falecido em 2021, acreditava que nós deveríamos ocupar todo o nosso território em vez de nos concentrarmos em somente uma aldeia, por isso, hoje temos várias aldeias no rio Curuçá.
Principais aspectos
Localização: rios Curuçá e médio Javari.
Lideranças: Marli, Raimundo, Joseney, Cacau (falecido) e Pedro (falecido)
Idioma: Kulina, ramo setentrional da família linguística Pano.
3 aldeias: Pedro Lopes, Nuntewa e Bela Vista.
População: 94 pessoas (SIASI/SESAI, 2022).
Nós, Korubo, somos mais de 100 pessoas atualmente. Temos quatro aldeias no rio Ituí e outra aldeia no rio Coari, Vale do Javari. Os não-indígenas dizem que somos de “recente contato” porque a Fundação Nacional dos Povos Indígenas só fez contato conosco, aos poucos e em diferentes rios, em 1996, 2014, 2015 e 2019. Ainda há uma parte de nosso povo que vive “isolada” dentro do Vale do Javari.
Falamos a língua korubo, da família linguística Pano. Somos bons caçadores porque tomamos o cipó tatxik. Caçamos com flechas, lanças e, sobretudo, zarabatana e curare. Tradicionalmente, pescamos com timbó. Abrimos grandes roças e construímos malocas. Nos últimos anos, passamos a construir também casas unifamiliares ao redor de nossas malocas. Durante muitos anos, nós resistimos e guerreamos contra os não-indígenas que invadiram o nosso território em busca de borracha, madeira e petróleo. Lutavamos contra eles usando nossas armas de guerra, as bordunas, também chamadas de “cacetes”. Por isso, ficamos conhecidos pelos não-indígenas como os “caceteiros” do Vale do Javari.
Korubo foi um termo que nos deram. Nos identificamos como nukmi (nós) em oposição a outros indígenas e aos não-indígenas (chamados de latkute). Entre nós há distinções internas. Uma parte de nós se auto identifica como Xiavo. Outra parte que se reconhece como Txikitxoevo. A grande maioria de nós que reside no rio Ituí hoje se reconhece como descendentes dos Xiavo.
Principais aspectos
Localização: rios Ituí e Coari.
Lideranças: Maya Korubo e Makwëx Korubo.
Idioma: Korubo, ramo setentrional da família linguística Pano.
5 aldeias: Acampamento no Coari, Sentele Maë, Tankala Maë, Tapalaya e Vuku Maë.
População: 150 pessoas (SIASI/SESAI, 2022).
Povos falantes da família linguística ‘Katukina’
Nós, Kanamari, habitamos no médio curso do rio Javari, alto rio Itaquaí e alto rio Jutaí, mas também ocupamos outras regiões no médio rio Juruá e adjacências. Habitamos também em outra terra indígena, a Terra Indígena Mawetek, que faz fronteira com o Vale do Javari.
Falamos uma língua da família linguística Katukina. Somos uma das maiores populações do Vale do Javari. Nós, Kanamari, nos identificamos como Tüküna (gente), em distinção a outros povos indígenas e aos não-indígenas (chamados de kariwa). Caçamos e pescamos bem. Fazemos festas, onde cantamos e tomamos rami (ayahuasca), o cipó sagrado.
Principais aspectos
Localização: rios Itaquaí e médio Javari.
Lideranças: Poroya Kanamari (falecido em 2019), Wadyo Cariocão Kanamari.
Idioma: Kanamari, família linguística Katukina.
15 aldeias: Bananeira, Cajueiro, Hobanã, Jarinal Novo, Kumaru, Kawyah, Massapê, Remansinho, Terra Nova, Tracoá, Caxias, Irari, Lago do Tambaqui, Santo Eusebio e São Luis.
População: 1.615 pessoas (SIASI/SESAI, 2022).
Nós, Tsohom-dyapa, habitamos nas regiões do alto rio Jutaí e adjacências dos rios Jandiatuba e Curuena, na parte noroeste do Vale do Javari. Semelhante aos Kanamari, somos da família linguística katukina. Tsohom significa “tucano” e dyapa é um sufixo para gente/povo, ou seja, somos o “povo tucano”. O Estado nos considera um povo de “recente contato”, embora não tenha uma Base de Proteção Etnoambiental da Fundação Nacional dos Povos Indígenas construída próxima da nossa aldeia Jarinal, no alto curso do rio Jutaí, onde residimos com uma parte dos Kanamari.
Fomos contatados pelos nossos parentes Kanamari nos anos 1960, quando os não-indígenas invadiam o nosso território procurando borracha, madeira e petróleo. Eles fizeram contato conosco, durante um tempo trabalhamos para eles em troca de mercadorias.
Em 2005, decidimos permanecer na aldeia Jarinal Novo junto com os Kanamari para sobreviver aos não-indígenas kariwa. Somos exímios caçadores com o arco e a flecha. Hoje, somos a menor população do Vale do Javari.
Principais aspectos
Localização: rio Jutaí
Líder: Aroh Dyomwük Dyapah.
Idioma: família linguística Katukina, semelhante aos Kanamari e aos Katukina do rio Biá.
1 aldeia: Jarinal Novo
População: 46 pessoas (SIASI/SESAI, 2022).
Parentes isolados
Em nosso território, o Vale do Javari, existem povos que são considerados pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas como “isolados”. Nós costumamos chamá-los de “indígenas isolados” ou mesmo “parentes isolados”. A ideia de isolamento, utilizada pelo Estado, diz respeito ao nível de interação social desses povos com as instituições estatais, ou seja, são povos que escolheram não ter relações permanentes conosco, outros povos do Vale do Javari, nem com os não-indígenas.
Desde 1987, há a política do não-contato, ou seja, o Estado não deve fazer contatos com indígenas isolados para inseri-los na sociedade nacional, como acontecia antes da Constituição de 1988. Exceto nos casos em que a vida deles esteja ameaçada. Atualmente, é responsabilidade do Estado brasileiro, através da FUNAI, mapear e proteger as áreas de ocupação dos povos isolados no Vale do Javari, evitando o contato.
O Vale do Javari é a região onde há a maior concentração de indígenas isolados do mundo. São, pelo menos, nove referências confirmadas pela FUNAI sobre a presença de isolados no Vale do Javari. Nós, da UNIVAJA, representamos também os povos isolados por considerar que estes possuem vulnerabilidade imunológica às doenças dos não-indígenas, enfrentando ameaças físicas e culturais quando o Vale do Javari está ameaçado.
As línguas faladas pelos povos “isolados” que vivem no Vale do Javari são desconhecidas.